08/7/2013 - 10h15, por Cassuça Benevides, do IPAM
Steve Schwartzman, como é apresentado no website da ONG Environmental Defense Fund (Fundo de Defesa do Meio Ambiente) – onde é Diretor de Políticas para Florestas Tropicais, está otimista com o Plano de Ação Climática anunciado no final de junho pelo presidente americano Barack Obama. Schwartzman, que também é Vice-Presidente do Conselho Deliberativo do IPAM, acredita que o plano possa injetar ânimo nas negociações da Convenção do Clima na ONU e que quando ficar claro que os cortes nas emissões de carbono não terão impactos tão drásticos para a economia e competitividade americanas vai ser “mais fácil avançar o suficiente para evitar as consequências mais drásticas das mudanças climáticas”.
Clima e Floresta – Com o Plano de Ação Climática, o presidente americano, Barack Obama, tenta trazer de volta a questão das mudanças climáticas para o centro da agenda política. A repercussão entre os especialistas em clima foi muito boa, mas quais as chances reais de sucesso, apesar da resistência da oposição Republicada e do lobby da indústria de carvão, que vai ser a mais afetada pelo plano?
Stephan Schwartzman - O presidente está sendo bastante consistente na sua forma de lidar com a questão das mudanças climáticas. Ele disse no início do primeiro mandato que achava prioritário um regime nacional de controle das emissões de gases causadores do efeito estufa. E que a preferência dele era ter uma legislação nacional tratando da questão. Em 2010 ele conseguiu passar uma lei federal na Câmara, mas não no Senado. Desde então, o presidente vem dizendo que a preferência dele é a lei, mas que se o Congresso não conseguisse passar uma lei, ele iria utilizar autoridades executivas cabíveis para avançar na questão. Isto é que ele está anunciando mais concretamente agora. Não existe dúvida que a Environmental Protection Agency (Agência de Proteção Ambiental – órgão regulador) tem autoridade para controlar as emissões de CO2. Isto já foi levado ao Supremo Tribunal Federal, a decisão existe e não há dúvida de que a EPA tem este direito. A questão é dos detalhes, dos pormenores: Quanto será o limite para as usinas (de carvão) já existentes e para as novas. E agora há o processo dos reguladores acharem as formas legalmente mais robustas e mais facilmente defensáveis para incluir na regulação final. É de se esperar que possa haver contestações no plano jurídico, mas no final das contas, algum sistema de limites nacionais vai ser criado.
C e F – Os Estados Unidos são hoje o segundo maior emissor de gases que provocam o efeito estufa, atrás da China, mas historicamente são os maiores poluidores do planeta. Mesmo que as metas definidas por Obama de reduzir emissões de dióxido de carbono sejam cumpridas, os especialistas acreditam que isto não será suficientes. O que mais precisa mudar?
SC - Nenhum regime de controle das emissões que existem ou que estão surgindo no mundo, na forma como estão sendo propostos, seriam suficientes para conter as emissões abaixo do limite de dois graus centígrados até o final do século. Acho que todo mundo sabe disto, mas o importante é começar. É estabelecer os limites, começar o processo de redução para poder avançar mais lá na frente. Acho que não tem outra forma. Obviamente precisamos de cortes mais drásticos, mais severos. Politicamente a única forma de se fazer isto é estabelecer um sistema, demonstrar para a indústria e para o público que de fato não é aquilo que os setores mais conservadores da indústria vêm dizendo sempre, principalmente em relação às mudanças climáticas, que este tipo de regulamentação vai alijar a nossa economia, vai destruir a nossa capacidade competitiva no comercio internacional etc. E isto nunca acaba sendo tão drástico como eles dizem. E uma vez constatado isto, acho que vai ser politicamente muito mais fácil de avançar o suficiente para evitar as consequências mais drásticas das mudanças climáticas.
C e F – Obama falou em liderar pelo exemplo e também em reativar as negociações internacionais. Na sua opinião, as negociações internacionais da Convenção do Clima podem começar a progredir um pouco mais rápido?
SC -Da mesma forma que o anúncio de um limite para emissões de desmatamento do Brasil induziu à declaração da China de que vai começar com programas-piloto de cap and trade* de emissões em várias cidades e províncias. Claramente atitudes destas por parte dos Estados Unidos só podem fortalecer o andamento das negociações. Mesmo assim, são 196 países e é muito difícil concordar sobre qualquer coisa neste contexto, mas esta posição tende a facilitar o andamento das discussões.
C e F – No discurso em que anunciou o plano, Obama citou parcerias estratégicas com países emergentes, incluindo o Brasil. Como pode ser a evolução desta parceria? O Brasil se queixa de ter reduzido o desmatamento pela metade e não ter tido benefícios com o seu desempenho…
SC - Resta ver o campo que pode haver para colaboração do Brasil com os Estados Unidos nesta área. Historicamente o Brasil tem tido uma posição eu diria, bastante reservada em relação à redução do desmatamento nas negociações de clima. Verdade que o Brasil não conseguiu angariar benefícios significativos com a redução do desmatamento. Mas também, no contexto das negociações de mudanças climáticas não usou o prestígio, a liderança que conquistou com este programa para dinamizar mais o processo. Sempre teve uma posição de não querer discutir mecanismos de mercado para compensação da redução do desmatamento. No contexto Brasil/Estados Unidos vamos esperar para ver as propostas concretas do EPA. De um lado, o EPA não tem autoridade para instituir um sistema de mercado, de cap and trade para emissões no país. Por outro lado, muita gente acha que (o EPA) teria possibilidade de criar certos mecanismos de mercado no sistema de controle de emissões. Sendo assim, talvez haja campo para colaborações maiores além da colaboração existente de biocombustíveis, na área de etanol.
C e F – Talvez fosse possível o Brasil aproveitar e tomar uma posição de liderança junto com os Estados Unidos?
SC - Junto com os EUA e com os outros atores. Há muitos anos a União Européia vem dizendo que se compromete a fazer uma redução de 20% em relação a 1990 até 2020, independente do que os outros países forem fazer. Se houver colaboração e esforços a altura por parte de outros países, a UE assume a meta de 30%. Por que o Brasil não coloca suas reduções à disposição para ajudar a União Européia a cumprir esta meta? Topa fazer 30% e a gente vende uma porção da redução que fizemos com o combate ao desmatamento para colaborar? Teria várias posições possíveis de alavancagem deste sucesso do Brasil, mas o Brasil não quis entrar nesta área ainda.
C e F – No discurso do presidente americano ficou clara a preocupação com adaptação às mudanças climáticas que já estão acontecendo. Obama citou o furacão Sandy e falou bastante em investimentos em adaptação. E no Brasil? Como o senhor vê os esforços para adaptação no país?
SC - Talvez eu não tenha conhecimento suficiente para avaliar. O Brasil não está só, mas parece que os investimentos em adaptação para mudanças climáticas estão começando meio devagar. Aqui nos Estados Unidos o furacão Sandy, incêndios descontrolado no oeste do país, a seca, estas coisas estão chamando muita atenção e fica cada vez mais difícil ignorar estes impactos que estão ficando cada vez mais concretos. Agora mesmo morreram 19 bombeiros de uma vez combatendo um incêndio florestal no oeste dos EUA. Foi o maior número de bombeiros a morrer desde 2001, no ataque ao World Trade Center. Este tipo de coisa se multiplica, se prolifera cada vez mais e fica premente tomar uma atitude para se prevenir contra as consequências.
Em Nova York tinha gente que vinha falando há anos que iria acontecer exatamente o que ocorreu com o Sandy. Que iria ter enchentes dentro do metrô, em várias partes da cidade e aconteceu exatamente como previsto pelos cientistas que vinham estudando o assunto. E quando isto acontece fica difícil dizer que a gente não vai fazer nada. A questão é: economicamente vamos ter esta capacidade de investimento para fazer um progresso significativo?
No Brasil, eu acho que falta ainda mapear os efeitos. Na Amazônia se sabe que a perspectiva de savanização é real. Pelo menos existem alguns estudos neste sentido. Mas nas regiões costeiras acho que falta um mapeamento mais sério sobre quais serão os efeitos mais previsíveis para poder já começar a investir nas medidas cabíveis.
Ce F – Os efeitos nocivos para as florestas, que são importantes na regulação e no equilíbrio do clima, também foram citados pelo presidente americano, mas ele não adiantou nada de concreto. O que se espera aí nos Estados Unidos que possa ser feito em relação à proteção florestal?
SC - O tipo de incêndio florestal que começa a acontecer no oeste do pais é muito difícil de controlar. Há uma série de políticas que será preciso rever. Tem certos ecossistemas em que o fogo era parte constante durante milhares de anos e agora recentemente, por causa das políticas que foram adotadas, começou a ser suprimido. O objetivo era evitar qualquer incêndio florestal, por achar que a floresta era valiosa demais, ou que era perigoso. Hoje em dia, já em certos econssistemas começa-se a reintroduzir o fogo mais controlado, para impedir grandes incêndios. Este tipo de coisa precisa de aprofundamente, de investimento em pesquisa básica para entender o que pode ser feito. Espero que não seja tarde demais, mas precisamos lidar com isto agora.
C e F – O senhor acompanha de perto e há muitos anos, a questão do desmatamento no Brasil. Há alguns anos o senhor e outros ambientalistas vêm insistindo para que sejam criados mecanismos de incentivo à valorização da floresta em pé. A regulamentação do novo Código Florestal, em preparação pelo governo federal, pode trazer algum avanço neste sentido?
SC - A gente entende que o Congresso incluiu uma série de possibilidades de criação de incentivos positivos para a proteção florestal, mas que cabe ao Executivo criar os mecanismos financeiros para que elas sejam concretizadas. Eu acho que depende bastante da vontade política do Poder Executivo. Fala-se criação de mercado de carbono brasileiro, incentivos para a redução do desmatamento e para restauro florestal, que é de fundamental importância. As pistas, os caminhos para se criar os incentivos estão aí no novo Código, são caminhos importantes e cabe à Presidência fazer os investimentos necessários, criar os mecanismos necessários para que estes incentivos efetivamente passem a funcionar. Afinal, o Brasil conseguiu um avanço enorme ao reduzir seu desmatamento a nível nacional em 75% de 2005 a 2012, inteiramente com mecanismos de comando e controle, de fiscalização e criação de novas áreas protegidas. Isto é ótimo, mas todo mundo sabe que só com mecanismo de controle neste contexto é difícil de sustentar ao longo do tempo. É preciso primeiro, quem sempre defendeu florestas – os indígenas, as populações tradicionais – precisam de melhores oportunidades econômicas. E o produtor que quer fazer direito, merece um incentivo para faze-lo de forma competitiva.
* Introdução de limites máximos para emissões com mecanismos de compensação: os que emitem menos do que o limite, ganham créditos ou cotas que podem ser negociados com quem emite mais do que o permitido. Os emissores acima do limite são obrigados a comprar créditos dos que conseguem reduzir mais suas emissões.
* Publicado originalmente no site IPAM.
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