por Paulo Barreto*
Quem assiste aos telejornais certamente considera que a cidade do Rio de Janeiro é muito violenta. E de fato é. Em 2008, lá foram assassinadas 31 pessoas para cada cem mil habitantes. Entretanto, o Rio de Janeiro é um paraíso comparado a Itupiranga, no sul do Pará, onde este índice foi cinco vezes maior (161) no mesmo ano. Infelizmente, Itupiranga, que foi o Município mais violento do país em 2008, não está sozinha.
Muitas regiões do Pará são assustadoramente violentas. Entre os 50 Municípios mais violentos do país, nove estavam no Pará em 2008, incluindo entre eles Marabá (125), Goianésia do Pará (109,6) e Rondon do Pará (97,7). Pior ainda, algo parece despertar a violência na Amazônia. Treze dos 50 municípios mais violentos do país estão na região (incluindo os Estados do Mato Grosso, Roraima, Rondônia e Maranhão), com índices pelo menos 2,3 vezes maiores do que no Rio de Janeiro.
Será que há algo no ar ou nas águas da Amazônia que tornam as pessoas violentas na região? Não. A violência na região tem sido construída por omissões e ações dos poderes públicos federal, estadual e local e de parte da elite empresarial.
Governos e empresas têm investido ou prometido investimentos que atraem imigrantes muito rapidamente sem prover a região dos meios compatíveis para prevenir e combater a violência e outros problemas socioambientais.
Parte destes investimentos só ocorre por causa de pesados subsídios (dinheiro de quem paga imposto) para a agropecuária, para mineração, para hidrelétricas e outros.
Um subsídio perverso é o uso gratuito de terras públicas da região. Incentivos e omissões do poder público levam pessoas a ocuparem terras para explorar madeira e para a agropecuária sem pagar pela madeira ou pela terra. Em 2009, cerca de 300 mil posseiros irregulares ocupavam 67 milhões de hectares na região (equivalente a 2,7 vezes o Estado de São Paulo). Muitas vezes, quem corre para se apossar destas terras liquida os concorrentes a bala.
Além de obter terras gratuitamente, a ocupação é ainda mais vantajosa, pois existe crédito agrícola subsidiado. Tais créditos somaram R$ 75 bilhões entre 1997 e 2009 na Amazônia Legal.
A construção da hidrelétrica de Belo Monte, que custará entre R$ 20 bilhões e 30 bilhões, atrairá quase cem mil pessoas para a região de Altamira no Pará. O Ministério Público Federal tem demonstrado que a licença ambiental foi concedida sem o cumprimento total das condicionantes que o próprio governo estabeleceu.
A omissão envolve vários níveis. O poder público investe ou incentiva o investimento sem aumentar substancialmente a presença da polícia, de promotores e juízes. Um desenvolvimento verdadeiro, que é o que o governo diz estar promovendo com os investimentos, envolveria aumentar expressivamente todos os serviços públicos (educação, saúde, gestão ambiental e fundiária).
Parte da elite empresarial nacional e internacional também contribui para o caos, pois fazem lobby pelos projetos grandiosos sem as salvaguardas devidas (ou até lutando para que não existam as salvaguardas).
Parte dos governantes estaduais e municipais apoiam tais projetos, enganados pela propaganda do progresso ou seduzidos por algum ganho eleitoral de curto prazo (ou por outros ganhos inconfessáveis). Outra parte dos governantes parece saber que este modelo de ocupação subdesenvolve a região, mas se resigna por falta de meios para lidar com tanta pressão do governo federal e de grandes empresas.
Seria possível construir outro cenário de desenvolvimento mais pacífico e genuinamente sustentável da Amazônia? Sim, bastaria que governos e empresas cumprissem suas promessas em planos de governo e declarações de responsabilidade socioambiental. Porém, a situação pode até piorar.
Quem tem ousado avaliar o que vem ocorrendo na região vem sendo chamado de traidor da pátria, inocente ou incompetente. Este discurso começa a ganhar espaço em alguns meios de comunicação, repetido por gente que supostamente é bem informada. Se essa cortina de fumaça ocultar realidades como a que citei aqui sobre a violência, será difícil construir um cenário mais promissor.
Portanto, é hora do Brasil dizer o que quer fazer com a Amazônia. Subdesenvolvê-la e torná-la ainda mais violenta com investimentos irresponsáveis ou investir verdadeiramente em um desenvolvimento mais sustentável. Se governantes e parte dos empresários operando na região não mudarem suas práticas, é hora de rasgarem suas promessas de campanha e cartas de compromisso socioambiental.
P.S 1. É triste constatar que os investimentos que subdesenvolvem a Amazônia hoje seguem padrão parecido ao que já foi avaliado no início da década de 1980, no livro Underdeveloping the Amazon. Extraction, Unequal Exchange, and the Failure of the Modern State, de Stephen G. Bunker. Não aprendemos com a história.
P.S 2. O estudo a seguir avalia as minúcias de como o sul do Pará se tornou um território tão violento. Simmons, C. 2005. Territorializing land conflict: Space, place, and contentious politics in the Brazilian Amazon. GeoJournal , Volume 64 (4). Springer Journals – Dec 1, 2005
Fonte de dados: Os dados de violência do Brasil são oriundos do Instituto Sangari que publica o mapa da violência por Municípios. A tabela de dados está disponível aqui. As taxas de homicídios internacionais foram coletadas aqui.
* Paulo Barreto é mestre em Ciências Florestais pela Universidade Yale. Estuda, no Imazon, políticas e medidas de mercado para o desenvolvimento sustentável na Amazônia e é editor do blog Amazônia Sustentável.
** Publicado originalmente no blog Amazônia Sustentável.
(Blog Amazônia Sustentável)
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