Nações Unidas, fevereiro/2014 – Este mês tive o privilégio de assistir a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável de Nova Délhi, um encontro anual que trata de um tema muito próximo ao meu coração. A Cúpula reuniu pessoas extraordinárias: ganhadores do prêmio Nobel, líderes de pensamento, chefes de Estado, inovadores das corporações e da academia, com a finalidade de abordar os desafios primordiais do século 21, que se concentram em três dimensões urgentes da sustentabilidade: alimentação, água e energia.
Neste momento, cerca de 85% dos seres humanos com os quais compartilhamos esse planeta vivem sem água potável adequada. Quase a mesma quantidade não tem segurança alimentar. E quase uma em cada cinco pessoas tenta viver sem energia e sem os benefícios da eletricidade.
Cobrir as necessidades atuais sem comprometer as expectativas das gerações futuras é um assunto muito complicado. Foi estimulante ver tantos cientistas, economistas e especialistas em desenvolvimento, brilhantes e comprometidos, trabalhando duro na elaboração de ideias que possam nos ajudar a produzir, distribuir e utilizar recursos preciosos de forma mais eficiente e equitativa.
Seu trabalho é essencial, porque colocará todos nós para trabalhar com nossas capacidades únicas para solucionar os desafios realmente difíceis que temos pela frente.
Mas, do meu ponto de vista, também é fundamental potencializar as próprias pessoas que devem lidar cada dia com esses problemas: as meninas que sonham com um futuro melhor enquanto transportam água por grandes distâncias, as mulheres que trabalham com fogões ineficientes e poluentes, e os pequenos agricultores que produzem 70% dos alimentos de forma muito mais sustentável do que o agronegócio.
Devemos nos dedicar a soluções que sustentem essas pessoas como prioridade de nossas decisões, porque são suas opções individuais que definitivamente terão um papel essencial na maneira como se desenvolverá nosso futuro.
Quando se respeita completamente os direitos individuais, e quando as pessoas se encontram no centro do desenvolvimento, as soluções têm uma sustentabilidade inerente. Algo que aprendi com meu próprio país e com nossos irmãos nórdicos é que as sociedades saudáveis e produtivas geram um círculo de autossustento com melhor bem-estar e maior produtividade.
A desigualdade e a exclusão das mulheres, dos jovens e dos pobres, ao contrário, prejudicam a saúde, o bem-estar e o crescimento econômico. Embora precisemos das contribuições de todos para solucionar os problemas globais que enfrentamos, os talentos e o potencial das mulheres ainda não são plenamente aproveitados em muitos países.
Não que as mulheres não estejam trabalhando duro. Na verdade, trabalham mais como produtoras, elaboradoras, vendedoras e consumidoras de alimentos, como mães e cuidadoras, transportando água e cuidando da higiene da família. E isso geralmente sem o benefício de técnicas eficientes nem serviços de energia, ou formas modernas de contracepção.
Isso significa que as mulheres estão, em geral, sobrecarregadas pela reprodução, bem como pela produção. A triste realidade é que elas trabalham mais horas do que os homens e produzem metade dos alimentos do planeta, mas recebem apenas uma fração da renda mundial e possuem uma pequena parte das propriedades.
As mulheres tratam de assegurar alimentos para muitos. Portanto, necessitam de capacitação adequada, equipamento e direito à posse da terra. Devem poder participar da economia, e definitivamente precisam de serviços de saúde sexual e reprodutiva, pois os problemas sanitários as afetam desproporcionalmente, desde as complicações na gravidez e no parto, até a epidemia de HIV, vírus causador da aids.
A violência de gênero também cobra um preço alto. O que aconteceria se fosse liberado todo o potencial e o poder das mulheres? Imaginem o que poderiam conseguir.
Precisamos investir em empoderamento das mulheres para que consigam o tipo de transformação que possa sustentar o crescimento econômico, preservar o ambiente, fomentar a resiliência e não deixar ninguém para trás.
E precisamos investir nos direitos sexuais e reprodutivos para todos, incluindo as próximas gerações, se desejamos conseguir um verdadeiro desenvolvimento sustentável.
As mulheres estão interessadas e sensibilizadas pelas necessidades da sustentabilidade.
Quando elas têm controle e liberdade sobre suas próprias vidas sexuais e reprodutivas, tendem a escolher famílias mais sadias e menores, que possam ser mais resilientes diante das crises, dos deslocamentos ou dos desafios ambientais. Também podem aliviar a pressão que exercem as populações locais sobre recursos naturais limitados e ecossistemas frágeis.
Por isso é importante que o próximo marco para o desenvolvimento internacional – a agenda que em 2015 substituirá os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da Organização das Nações Unidas – aborde diretamente a igualdade de gênero e os direitos sexuais e reprodutivos para todos. Estes temas vão direto ao coração da sustentabilidade. Continuo comprometida em assegurar que não sejam deixados de lado. Envolverde/IPS
* Tarja Halonen é ex-presidente da Finlândia (2000-2012) e copresidente do Grupo de Trabalho de Alto Nível da CIPD (Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento). Também ocupou cargos em fóruns internacionais como copresidente da Cúpula do Milênio e do Painel de Alto Nível do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Sustentabilidade Mundial.
(IPS)
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