quinta-feira, 24 de junho de 2010

Fragmento de esperança em outro desenvolvimento

Por Marilza de Melo Foucher

O paradoxo da historia das grandes nações consideradas desenvolvidas era de se sentir com a missão coletiva de reconstruir um mundo que elas destruíram com as guerras fratricidas. Entretanto, essa missão não ajudou as nações ditas desenvolvidas a forjar um mundo mais solidário. Fizeram dos conhecimentos científicos e tecnológicos uma potente arma comercial e passaram a açambarcar o poder econômico, impondo para as regiões por eles consideradas “atrasadas” ou “subdesenvolvidas” um modelo ocidental de desenvolvimento puramente econômico. A economia torna-se tão determinante que as ideologias do século 19 e 20 vão compartilhar da mesma base cultural do liberalismo econômico. A natureza e o ser humano serão tratados como fator de produção, os bens fundamentais como a terra, o ar, a água, as florestas e a vida não terão valor ecológico.

Ao longo dos séculos, o capitalismo expandiu-se exportando um tipo de desenvolvimento que vai degradar e esgotar os recursos naturais, destruir relações sociais, sem levar em conta a especificidade cultural e dinâmica locais dos chamados países subdesenvolvidos. As desigualdades sociais, o aumento da pobreza, as diferenças de renda entre os países, a degradação dos ecossistemas rurais e urbanos, passam a serem indicadores do fracasso das políticas chamadas desenvolvimentistas.

Em vez de criar uma cooperação baseada na solidariedade entre os povos, na autonomia para escolher seu próprio desenvolvimento, as grandes potências impõem suas próprias regras. O poder econômico vai subordinar os direitos sociais e políticos ao direito comercial, a vida privada se transforma em mercadoria e o ser vivo será patenteado. Os países ricos irão continuar a pagar licenças para poluir. Tudo virou possível! O problema é que nem tudo é possível.

O mea-culpa das grandes potências: desenvolvimento sustentável para um planeta enfermo.

A realidade em que se encontra o planeta é a prova de que o desenvolvimento econômico ultrapassou seus próprios limites. Ele se torna globalmente inadaptado e se transforma numa ameaça ao meio ambiente, aumentando a desertificação e provocando a fome de milhões de seres humanos.

A Organização das Nações Unidas, o principal organismo criado para assegurar a paz mundial e reestruturar o mundo através da cooperação internacional, teria também como missão resolver pacificamente os problemas de ordem econômica, social, cultural e humanitária. Apesar de inúmeras reuniões de cúpula de presidentes e primeiros-ministros, inúmeras convenções internacionais, as instâncias ligadas à ONU não conseguiram até hoje mudar as regras da globalização excludente.

O espaço de decisão das Nações Unidas, restrito às grandes potências, vai se transformar em uma excelente tribuna para os atores globais assumirem a defesa do novo conceito de desenvolvimento sustentável. Desta vez a economia deveria se conciliar com o social e com o meio ambiente.

Confrontados às catástrofes econômicas e ecológicas e diante do aumento constante da adesão da opinião pública internacional à questão ambiental, os protagonistas do crescimento econômico sustentável, reconvertidos em ecologistas, irão apresentar um novo receituário e definir um novo paradigma de desenvolvimento, aparentemente novo. Nasce assim, a ilusão da sustentabilidade do desenvolvimento, coroada de boa vontade política. Mas concretamente o que as grandes potências fazem para sair do campo puramente economicista do desenvolvimento? Por que os países que lideram a governança mundial não levam em conta a dívida financeira e a dívida ecológica que eles fizeram proliferar nos países do Sul? Deixo esta reflexão para o leitor.

Governabilidade com desenvolvimento territorial integrado e solidário. Desafio possível no Brasil?

A questão do desenvolvimento sustentável, que tanto rendeu artigos e projetos, é repleta de contradições. Dela muitos se apropriaram, mas não pararam para refletir sobre estas contradições para poder agir em consequência e reinventar uma nova prática para mudar a realidade em que se vive. Como construir projetos duráveis de desenvolvimento?

Em primeiro lugar, quando se elabora um programa ou um plano, prioriza-se os projetos e atividades que serão executados ao longo dos anos. Daí faz-se necessário que todos os projetos e atividades sejam pensados, elaborados e implantados de modo global e articulado. Articulados entre a esfera federal, estadual e municipal, assim como, articulados setorialmente e com um acompanhamento coordenado entre as três esferas do poder. Desta forma evita-se a visão setorial do desenvolvimento. Por exemplo, a cultura, o meio ambiente, a economia devem ser tratadas conjuntamente.

Seria como imaginar o funcionamento de um ecossistema. Nos ecossistemas, tudo está em interações, tudo tem efeitos e causas. A mesma coisa é a intervenção humana no campo de desenvolvimento, as questões locais não se dissociam de questões globais, elas estão interconectadas. Em um espaço geográfico, não existem somente bens e circulação de mercadorias: existe os atores, cidadãos com pleno exercício da cidadania, e existe o meio natural. Os cidadãos e suas comunidades não são somente consumidores dentro da rede de mercados e de serviços públicos. Cada cidadão, cada cidadã deve ser responsável pela preservação da natureza, assim como deve ser responsável pelo bom funcionamento do Estado. Quando exigimos nossos direitos devemos também pensar que temos e também deveres diante da república brasileira.

Como organizar um novo modo de desenvolvimento em um espaço territorial sem tocar na malha do poder?

O desenvolvimento territorial integrado e sustentável exige uma democracia participativa. A democracia representativa será reforçada com a participação da sociedade civil organizada. Cabe aos atores locais de desenvolvimento (comunidades autogestionárias, entidades cooperativas e associativas, empresas, universidades, centro de pesquisas, movimentos sociais e entidades estatais e para-estatais) a responsabilidade de ativar os canais de diálogos e de controle social junto aos governos (municipal, estadual e federal).

Para viabilizar essa forma política inovadora de governabilidade, o ideal seria capacitar lideranças sociais e políticas, altos funcionários e dirigentes para se educar para o exercício do poder. Tendo em vista, que a sociedade brasileira foi durante séculos, caracterizada como uma estrutura autoritária de poder, os governantes bloquearam a participação e criação de direitos. Daí a exigência de mudar nossa relação com o poder, e um programa de educação para o exercício do poder pode ser propício para criar as bases para uma nova governabilidade.

A burocracia brasileira nunca foi uma forma de organização no sentido de agilizar o funcionamento da máquina estatal. Ao contrário, ela instala uma forma de poder altamente hierarquizado, com uma cadeia de comando. Quem está no nível superior detém os conhecimentos; estes conhecimentos devem permanecer desconhecidos para seus subordinados, que também têm seus subalternos. Privados de conhecimentos, eles não inovam e nem fazem uso de criatividade. Foram contratados para obedecer às ordens dos escalões superiores. Assim se caracterizou o poder dos altos funcionários públicos, na lógica de que quem detém o saber, detém o poder.

Quanto mais ignorante é o povo, mais fácil será manipulá-lo. O poder burocrático exercido pela hierarquia é dificilmente assimilado com o poder democratizado, no qual o cidadão funcionário age em função da igualdade dos direitos e se torna um defensor do bom funcionamento da máquina estatal e de uma empresa com finalidade pública.

Esta concepção de burocracia, infelizmente, vai também se instalar em alguns partidos políticos.

O poder na história política do Brasil vai ser praticado como uma forma de tutela e de favor, sem mediações políticas e sociais. O governante é sempre aquele que detém o poder, o saber sobre a lei e sobre o social, privando os governados dos conhecimentos, criando-se assim uma relação clientelista e de favor. O uso abusivo da máquina pública levou à falência o Estado brasileiro. Hoje, o desafio é restaurar um verdadeiro Estado democrático e cidadão compatível com o modo de desenvolvimento territorial integrado com sustentabilidade ambiental, social, política, cultural, e econômica. Nesse sentido, o modo inovador de desenvolvimento, dentro de uma visão integrada da realidade, exige mudança de atitude, mudança no modo de fazer política. Exige um sistema de educação compatível com este desafio.

Apesar dos avanços que tivemos nessa última década com os dois mandatos do governo Lula, a caminhada para mudanças estruturais é longa… Infelizmente algumas correntes da esquerda brasileira ainda não se deram conta de que é impossível separar a ecologia do modo de desenvolvimento. Ainda existe no meio dos cargos eletivos a predominância do pensamento economicista do desenvolvimento. Basta escutar os discursos da maioria dos governadores, a dificuldade que eles têm de planejamento a curto, a médio e longo prazo, dentro de uma visão mais integrada do desenvolvimento em um espaço territorial.

O período de eleições é sempre um momento propício para somar forças e exigir dos candidatos um compromisso com o bem-estar das novas gerações e com o futuro do planeta. Devemos nos mobilizar para que o Brasil seja protagonista de outro modo de desenvolvimento, que diminua as desigualdades ainda presentes nas regiões, conciliando crescimento econômico com respeito aos ecossistemas. A proteção social é inseparável da ambiental. Devemos nos mobilizar para que o combate que o Presidente Lula assumiu contra a pobreza continue. Devemos nos mobilizar também para que o Estado continue no seu papel regulador, a fim de garantir a qualidade nos serviços públicos, principalmente na área de educação e na saúde.

Estaria Dilma, candidata de Lula disposta a enfrentar esse desafio? Não vamos deixar a ecologia política nas mãos dos conservadores, de naturalistas iluminados, que na certa utilizarão a questão ambiental como pretexto para ganhar as eleições. Devemos batalhar para que essa outra concepção de desenvolvimento territorial integrado seja abraçada e defendida por Dilma ou por quem for eleito. Agora que o Brasil é respeitado como grande nação na cena internacional, e convidado à mesa de negociações dos organismos multilaterais, ele deve dar exemplo de que outro desenvolvimento é possível.

*Marilza de Melo Foucher é doutora em Economia pela Sorbonne, especialista em desenvolvimento territorial integrado e solidário


fonte: (Envolverde/Outras Palavras)  - 24/06/2010 - 11h06


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