Austríaco de Viena e crítico da cultura americana, embora more há mais de trinta anos nos Estados Unidos, o físico Fritjof Capra, autor do best-seller "O ponto de mutação" e de "O Tao da Física" acaba de chegar ao Brasil, a convite do Santander, para discutir pilares da sustentabilidade a menos de três meses da realização da Rio+20, Conferência do Clima das Nações Unidas. Em entrevista exclusiva ao Razão Social, hoje no início da tarde, um dos grandes pensadores sobre o desenvolvimento sustentável foi veemente quando disse não acreditar em possibilidade de acordo entre os líderes na conferência. E afirmou também que a sociedade civil e as empresas poderão protagonizar um dos mais importantes fóruns sobre o tema. Capra não virá ao evento. Para ele, o momento é de palestrar e escrever para passar aos jovens o protagonismo nas discussões.
O GLOBO: Poucos líderes confirmaram presença na Rio+20 e a crise econômica está ocupando o protagonismo das discussões mundiais. Frente a isso, o que podemos esperar da conferência?
FRITJOF CAPRA: Infelizmente, não acho que podemos esperar muito da reunião oficial, seria uma ingenuidade ter grandes expectativas, porque nem todos os governantes terão margem para negociar. O grande desafio do planeta são as mudanças climáticas. E as empresas produtoras de combustíveis fósseis têm grande espaço no congresso americano. Elas financiam campanhas de senadores para que eles sequer discutam a legislação climática. Isso faz dos Estados Unidos uma pedra no sapato de um possível acordo climático internacional. O Senado americano está cometendo um crime contra a humanidade, porque milhões de pessoas vão morrer, se não avançarmos na legislação climática.
O GLOBO: O senhor concorda então com a tese de fracasso das negociações climáticas, que vem sendo anunciada?
CAPRA: Não. Há também boas notícias. Hoje, os governos não são os únicos a terem assentos no poder. Há também as empresas, Organizações Não Governamentais e outros representantes da sociedade civil. O Brasil é o único grande país no mundo em que as três esferas colaboram. A Rio+20 será um fórum para sociedade civil, empresas e governos se encontrarem, sentarem à mesa. Pode não haver acordo climático de peso, mas também não podemos ser levados ao discurso do fracasso, porque é isso que querem os que se opõem ao desenvolvimento sustentável. Será um fórum importantíssimo. Há muitas empresas apostando em grandes mudanças. Elas estão vendo que reduzir a dependência de combustíveis fósseis não é bom só para a Terra, mas também para os negócios. Tecnologias renováveis já dão lucro. Mas estamos num momento-chave. Ainda precisamos de muitos esforços para que empresários se mexam. Já os governos podem se tornar irrelevantes nessa discussão.
O GLOBO: Mas como pensar em políticas de sustentabilidade sem os governos?
CAPRA: É possível levá-los a se mexer em última instância. Não estou dizendo que eles não deviam estar liderando o processo. Mas isso não está acontecendo. No Brasil, há muitas ONGs com que colaboro e vi que muitas delas estão no ativismo sério. Vim ao Brasil pela segunda vez em 2003, estive no Fórum Social Mundial e vi no governo pessoas que havia conhecido dez anos antes como ativistas ambientais. Foi o caso de Marina Silva. Embora o Brasil tivesse o foco no desenvolvimento econômico, havia nomes do meio ambiente no governo. Vejo que, hoje, há mais espaço no Brasil para a sociedade civil bater na porta do governo.
O GLOBO: Essa questão da transparência e da relação forte com a sociedade civil nem sempre é vista dessa forma por pensadores brasileiros...
CAPRA: Mas, comparando com outros países, há um movimento muito interessante no Brasil. A relação com empresas é tradicional em quase todos os governos, e nem sempre para boas causas. Mas o assento da sociedade civil é mais raro, e isso está acontecendo aqui. Tente bater na porta de Washington como representante de uma ONG para discutir de igual para igual, aí você entenderá que o Brasil vive um momento de abertura. Nos Estados Unidos, há um bloqueio total.
O GLOBO: Mas, mesmo com o movimento de ONGs, no Brasil e no mundo, vinte anos depois da ECO-92, o desenvolvimento sustentável ainda não está entre as prioridades. O que falta para a sociedade ter conhecimento da seriedade do tema?
CAPRA: Educação. As pessoas não sabem direito o que é sustentabilidade, ficam à mercê de informações contraditórias. As indústrias dominantes, falando principalmente da perspectiva dos Estados Unidos, onde moro, têm uma influência imensa nisso. As multinacionais têm valores muito opostos à sustentabilidade, e divulgam informações deturpadas, ou escondem alguns dados sobre o impacto que causam. Ou seja, não é só um problema educacional, é um problema de valores. Temos que trabalhar nas duas frentes, em mais transparência, e na preparação da sociedade para o questionamento, enfrentamento. Os americanos, por exemplo, estão passando por uma recessão, e elevado desemprego. Não é só o sistema financeiro. Nos últimos 20 anos, tem havido uma transferência de renda dos pobres para os ricos. Lá, os 20% mais ricos respondem por 85% da riqueza. E a vasta maioria, 80% da população, têm apenas 15%. Ou seja, o Brasil tem que valorizar o sucesso de algumas políticas.
FRITJOF CAPRA: Infelizmente, não acho que podemos esperar muito da reunião oficial, seria uma ingenuidade ter grandes expectativas, porque nem todos os governantes terão margem para negociar. O grande desafio do planeta são as mudanças climáticas. E as empresas produtoras de combustíveis fósseis têm grande espaço no congresso americano. Elas financiam campanhas de senadores para que eles sequer discutam a legislação climática. Isso faz dos Estados Unidos uma pedra no sapato de um possível acordo climático internacional. O Senado americano está cometendo um crime contra a humanidade, porque milhões de pessoas vão morrer, se não avançarmos na legislação climática.
O GLOBO: O senhor concorda então com a tese de fracasso das negociações climáticas, que vem sendo anunciada?
CAPRA: Não. Há também boas notícias. Hoje, os governos não são os únicos a terem assentos no poder. Há também as empresas, Organizações Não Governamentais e outros representantes da sociedade civil. O Brasil é o único grande país no mundo em que as três esferas colaboram. A Rio+20 será um fórum para sociedade civil, empresas e governos se encontrarem, sentarem à mesa. Pode não haver acordo climático de peso, mas também não podemos ser levados ao discurso do fracasso, porque é isso que querem os que se opõem ao desenvolvimento sustentável. Será um fórum importantíssimo. Há muitas empresas apostando em grandes mudanças. Elas estão vendo que reduzir a dependência de combustíveis fósseis não é bom só para a Terra, mas também para os negócios. Tecnologias renováveis já dão lucro. Mas estamos num momento-chave. Ainda precisamos de muitos esforços para que empresários se mexam. Já os governos podem se tornar irrelevantes nessa discussão.
O GLOBO: Mas como pensar em políticas de sustentabilidade sem os governos?
CAPRA: É possível levá-los a se mexer em última instância. Não estou dizendo que eles não deviam estar liderando o processo. Mas isso não está acontecendo. No Brasil, há muitas ONGs com que colaboro e vi que muitas delas estão no ativismo sério. Vim ao Brasil pela segunda vez em 2003, estive no Fórum Social Mundial e vi no governo pessoas que havia conhecido dez anos antes como ativistas ambientais. Foi o caso de Marina Silva. Embora o Brasil tivesse o foco no desenvolvimento econômico, havia nomes do meio ambiente no governo. Vejo que, hoje, há mais espaço no Brasil para a sociedade civil bater na porta do governo.
O GLOBO: Essa questão da transparência e da relação forte com a sociedade civil nem sempre é vista dessa forma por pensadores brasileiros...
CAPRA: Mas, comparando com outros países, há um movimento muito interessante no Brasil. A relação com empresas é tradicional em quase todos os governos, e nem sempre para boas causas. Mas o assento da sociedade civil é mais raro, e isso está acontecendo aqui. Tente bater na porta de Washington como representante de uma ONG para discutir de igual para igual, aí você entenderá que o Brasil vive um momento de abertura. Nos Estados Unidos, há um bloqueio total.
O GLOBO: Mas, mesmo com o movimento de ONGs, no Brasil e no mundo, vinte anos depois da ECO-92, o desenvolvimento sustentável ainda não está entre as prioridades. O que falta para a sociedade ter conhecimento da seriedade do tema?
CAPRA: Educação. As pessoas não sabem direito o que é sustentabilidade, ficam à mercê de informações contraditórias. As indústrias dominantes, falando principalmente da perspectiva dos Estados Unidos, onde moro, têm uma influência imensa nisso. As multinacionais têm valores muito opostos à sustentabilidade, e divulgam informações deturpadas, ou escondem alguns dados sobre o impacto que causam. Ou seja, não é só um problema educacional, é um problema de valores. Temos que trabalhar nas duas frentes, em mais transparência, e na preparação da sociedade para o questionamento, enfrentamento. Os americanos, por exemplo, estão passando por uma recessão, e elevado desemprego. Não é só o sistema financeiro. Nos últimos 20 anos, tem havido uma transferência de renda dos pobres para os ricos. Lá, os 20% mais ricos respondem por 85% da riqueza. E a vasta maioria, 80% da população, têm apenas 15%. Ou seja, o Brasil tem que valorizar o sucesso de algumas políticas.
O GLOBO: O senhor se refere às políticas de transferência de renda, como o Bolsa-Família?
CAPRA: Exatamente. As mudanças aqui começaram com o Plano Real, um plano complexo implantado por Fernando Henrique Cardoso que funcionou bem. E Lula foi inteligente o suficiente não só para manter o plano como para começar outros investimentos no campo social, como o Fome Zero e o Bolsa-Família. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, mas se você olhar os dados históricos, pode perceber que o nível de desigualdade está caindo. O Brasil pode ser um grande exemplo para o desenvolvimento sustentável. Talvez o maior.
O GLOBO: O Brasil sempre é citado como possível exemplo, mas para o futuro. O que o país precisa fazer para, de fato, buscar o desenvolvimento sustentável?
CAPRA: O Brasil pode ser um grande exemplo, tem potencial. Há biodiversidade preservada em larga escala ainda, é uma cultura criativa e há boa relação entre empresas, sociedade civil e governo, mais do que na maioria dos países que conheço. Mas a agricultura, por exemplo, precisa fazer grandes mudanças. O Brasil está baseado na exportação de grãos, em monoculturas. Já se concluiu que esse modelo é insustentável. Uma agricultura orgânica, cultivada por pequenas comunidades e em pequena escala, não é melhor só para fazer bem ao meio ambiente. Ela demanda menos energia, é mais viável. Com o desafio das mudanças climáticas, é preciso ter um cultivo diverso. As monoculturas não vão sobreviver. Cerca de 20% do petróleo consumido nos Estados Unidos são usados pela cadeia produtiva da agricultura no modelo do agronegócio.
O GLOBO: Uma de suas principais teses é a de que todos os problemas no mundo hoje estão interconectados. Há como se resolver a crise financeira, sem resolver outras questões no mundo de hoje?
CAPRA: Não. Não vamos resolver a crise financeira isoladamente. Não podemos resolver o problema da energia isoladamente, o da pobreza, ou da segurança alimentar. Estão todos conectados. E as soluções também precisam ser. A agroecologia, por exemplo, traz várias vantagens em geral. Usa menos energia, ajuda na redução de produção de combustíveis fósseis. Ajuda também no sistema público de saúde, já que, nos Estados Unidos, diabetes, doenças do coração e 40% dos cânceres estão relacionados com a dieta alimentar. Por fim, um solo orgânico é rico em carbono e evita a emissão de gases de efeito estufa. É uma solução sistêmica.
O GLOBO: Então há como buscarmos o desenvolvimento sustentável, a partir de iniciativas, sem haver uma grande transição no capitalismo vigente?
CAPRA: Sim, porque o capitalismo existe em diferentes contextos sociais. Alguns exemplos: na Alemanha, nos anos 1950, o capitalismo foi tratado como um milagre econômico. O modelo era de colaboração de sindicatos com empresas, foi chamado de Economia de Mercado Social. No Japão, há também um modelo de cooperação entre as empresas, keiretsu, em vez de competição. Acho que o maior problema hoje é o mercado global que envolve especuladores jogando o tempo todo. Há um grande grupo de especuladores jogando, como num grande cassino. O que está faltando é ética. Mas podemos ter cooperação global, só é preciso pensar em direcionar o capitalismo para atingir outros objetivos. O capitalismo pode ser reestruturado, mas precisará ser diverso, com nuances locais.
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