Aumento das temperaturas médias dos mares pode
levar à extinção de entre 20% e 50% das espécies do planeta, 24 de fevereiro de 2012 | 8h 01, Estadão
A conferência anual da Associação Americana
para o Progresso da Ciência (AAAS) foi realizada de 16 a 20 de fevereiro em
Vancouver, cidade à beira-mar no Canadá. Não por acaso, diversos relatos de
pesquisas relevantes sobre a vida e o futuro dos oceanos foram apresentados
durante o encontro e chamaram a atenção do público em geral e especialmente da
comunidade local.
Uma das exposições de grande repercussão foi a
de James Hansen, do Instituto Goddard para Estudos Espaciais da Nasa, a agência
espacial norte-americana. Segundo Hansen, o uso intensivo de combustíveis
fósseis e o consequente aumento das temperaturas médias dos oceanos (já
bastante superiores às do Holoceno) podem levar, entre outras consequências, a
elevações de vários metros do nível dos oceanos e à extinção de entre 20% e 50%
das espécies do planeta.
A elevação do nível dos mares coloca em risco a
própria existência física de cidades em áreas costeiras de baixa altitude, como
é o caso de Vancouver, entre muitas outras. O fenômeno é intensificado pelo
derretimento de parte das calotas polares, também decorrente do aquecimento
global, especialmente em regiões mais próximos dos polos, como também é o caso
da cidade canadense.
O alerta de Hansen, uma das grandes estrelas da
reunião da AAAS, teve, portanto, grande impacto na opinião pública da cidade
anfitriã da conferência, inclusive porque suas autoridades públicas tomaram
recentes decisões que seguem na contramão das advertências do cientista.
Por exemplo, há planos para dobrar a produção
de carvão metalúrgico e fazer crescer significativamente a de gás natural
liquefeito, não só para atender à demanda local por energia, mas também para
exportação.
Menos célebre do que Hansen, mas também muito
respeitado na comunidade científica internacional, Villy Christensen, professor
da Universidade da Colúmbia Britânica, apresentou resultados iniciais, mas
impressionantes, de seu projeto Nereus, cujo nome homenageia o deus grego que
previa o futuro e morava no mar Egeu.
Segundo Christensen, as melhores estimativas
atuais são de que há nos oceanos cerca de 2 bilhões de toneladas de peixe, ou
seja, cerca de 300 quilos para cada habitante do planeta. No entanto, pelo
menos metade disso está em zonas muito profundas dos mares, é constituída de
espécies pequenas demais em tamanho e, por isso, é inviável para exploração
comercial e consumo humano.
E na outra metade, de peixes que medem pelo
menos 90 centímetros e são apropriados para alimentação de pessoas, houve um
declínio da biomassa de 55% de 1970 até agora. “É uma mudança dramática e
global”, disse.
Christensen defendeu que se invista mais em
pesquisa sobre a vida marinha e especialmente sobre o impacto do aquecimento
global sobre ela para que decisões políticas apropriadas possam ser tomadas,
mas - apesar da necessidade de mais estudos - ele acha que o que já se sabe é
suficiente para muita preocupação com o futuro.
Por exemplo, há a previsão de que o aumento da
temperatura das águas vai fazer com que muitas espécies de animais marinhos
procurem as águas mais frias das regiões mais próximas dos polos, o que poderia
beneficiar os habitantes dessas áreas.
Mas William Cheung, que trabalha no mesmo
projeto Nereus, argumenta que essa conclusão otimista pode ser apressada e
errada: diferenças de quantidade de oxigênio em águas frias e quente e a
crescente acidificação dos oceanos, outra consequência das mudanças climáticas,
também comprometem negativamente a produtividade marítima.
Lisa Levin, do Instituto de Oceanografia
Scripps, da Califórnia, em outra atividade da conferência da AAAS, corroborou
indiretamente a fala de Cheung. Levin mostrou conclusões de sua pesquisa,
segundo as quais o aquecimento dos oceanos produzidos pelas mudanças climáticas
está causando a expansão de zonas submarinas de baixo oxigênio, o que afeta
negativamente a produção pesqueira de diversas regiões, inclusive as da costa
da Colúmbia Britânica.
Levin chama o fenômeno de “compressão de
habitat” e disse que ele afeta áreas que se estendem por mais de 150 mil
quilômetros em torno das beiradas dos oceanos. Segundo suas previsões, até o
ano de 2050, peixes que habitam nessas regiões podem perder 50% na variação da
profundidade em que vivem.
Os canadenses são bastante sensíveis para este
tipo de problema por já terem visto como podem ser socialmente dramáticos os
seus efeitos. Há cerca de 20 anos, a escassez da produção de bacalhau na região
de Newfoudland, na costa leste do país, provocou o fim de 40 mil empregos.
Diversas espécies de peixe - como o do bacalhau atlântico daquela cidade -
estão sendo consideradas como ameaçadas de extinção e sua pesca está sendo
restringida ou totalmente proibida.
Patentes genéticas
Os efeitos dos problemas dos oceanos são
percebidos em vários países. O professor Rashid Sumaila, também da Universidade
da Colúmbia Britânica, apresentou aos participantes da conferência da AAAS
estudos que conduziu no México que apontam redução de até 20% em poucos anos na
produção de pesca de diversas espécies de peixes e moluscos.
Os efeitos de mudanças nos oceanos na vida do
planeta discutidos na reunião da AAAS em Vancouver não se limitaram aos atuais
e aos do futuro.
Peter DeMonocal, biólogo marinho da
Universidade Columbia de Nova York, mostrou sua pesquisa, de acordo com a qual
grandes diferenças de temperatura nos oceanos Índico e Pacífico que ocorreram
há 2 milhões de anos foram responsáveis por alterações de padrões de chuva na
África oriental que desertificaram vastas áreas daquele pedaço do mundo.
Mesmo quando as notícias sobre a exploração, a
atividade e as mudanças nos oceanos apresentadas no encontro da AAAS são
inegavelmente positivas, elas não deixaram de trazer junto com elas algum tipo
de preocupação.
Por exemplo, Carlos Duarte, diretor do
Instituto de Oceanos da Universidade da Austrália Ocidental, relatou como um
grande tesouro de recursos genéticos está sendo descoberto e permitirá
aplicações em diversos setores da economia, como medicamentos para combater dores,
câncer, regenerar tecidos e ossos ou para gerar biocombustíveis.
De acordo com Duarte, desde 2009 cerca de 5 mil
patentes genéticas de organismos marinhos foram requeridas e é previsto um
aumento de 12% ao ano desta quantidade. Duarte também afirmou que a vida
marinha tem uma diversidade muito superior à da terrestre e que pode levar até
mil anos para que todas as suas espécies sejam descobertas e catalogadas.
Tudo isso pode ser ótimo, mas também pode
provocar ainda mais problemas se não houver uma regulamentação bem concebida e
cumprida rigorosamente para evitar excessos na pesquisa e exploração desses
recursos, que agravariam ainda mais os efeitos das mudanças climáticas.
Além disso, há a questão de quem vai usufruir
materialmente dessas descobertas. Apenas dez países têm 90% dos pedidos de
patentes genéticas de organismos marinhos e três deles (Estados Unidos,
Alemanha e Japão) têm 70%.
Isso pode fazer com que o fosso entre países
ricos e pobres aumente ainda mais, com as inevitáveis tensões sociais
decorrentes, e causar atritos diplomáticos capazes de prejudicar eventuais
compromissos em decisões sobre problemas críticos, como os das mudanças
climáticas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário