segunda-feira, 12 de julho de 2010

Mudanças climáticas e os riscos sistêmicos do atual modelo de vida

Mudanças climáticas e os riscos sistêmicos do atual modelo de vida

ENSP, publicada em 09/07/2010
André Trigueiro, jornalista, pós-graduado em gestão ambiental pela UFRJ, professor, criador do curso de jornalismo ambiental da PUC e autor de diversos livros sobre a temática socioambiental, falou ao Informe ENSP da importância de debates ampliados sobre essa questão - como o que ocorreu durante o curso Comunicação, Saúde e Ambiente -, e também alertou para a urgência de uma mudança de atitude da sociedade em relação à emissão de gases poluentes na atmosfera. Segundo ele, o aquecimento global é um tema tão relevante que deveria ser pauta de interesse do indivíduo que preza pela vida.


Informe ENSP: A pauta ambiental está, de fato, ganhando mais espaço nas discussões sociais. Você atribui isso a que? A mídia tem papel nessa mudança?


André Trigueiro: A mídia reporta fatos de interesses estratégicos e públicos considerados relevantes. A função social da comunicação e, em especial, do jornalista, é revelar problemas, dar visibilidade a diagnósticos de crise social, ambiental, política, econômica etc. E também divulgar soluções encontradas, mostrar onde elas estão e que tipo de ações foram desenvolvidas. Conhecendo, é possível eventualmente adaptar essa experiência, esse projeto para nossa realidade. Nós, da área de comunicação, temos essa responsabilidade. Portanto, o jornalista tem de aprender na sua capacitação e em sua experiência a provocar, gerar debate e suscitar a busca conjunta de soluções.


Um bom exemplo disso é a experiência de Medellin, na Colômbia, que está sendo aplicada aqui no Rio de Janeiro, no Complexo do Alemão. Ninguém inventou a roda, isso é informação que circula por meio da mídia. A expressão 'analfabetismo ambiental' é uma metáfora utilizada para falar da ainda persistente falta de conhecimento nessa área.

Mas a questão é que a mídia não é salvadora nem a única responsável por acabar com o 'analfabetismo ambiental'. Todos nós precisamos conhecer melhor as leis que regem a vida e o universo, seja na escola, na faculdade, no trabalho ou em qualquer outro lugar.


Informe ENSP: Ampliar essa rede de conhecimento...


André Trigueiro: Isso, temos de fazer a informação circular e ter uma visão sistêmica das coisas. As atitudes individuais também geram resultados, viram exemplos e são capazes de mudar todo um grupo, uma rua, bairro, cidade etc.


Estamos falando de um conhecimento que é absolutamente intersetorial. Não podemos, dentro dessa perspectiva de um novo olhar sobre a realidade, replicar a departamentalização do saber e do conhecimento. Foi essa questão que nos levou ao labirinto do qual não estamos conseguindo sair. A única perspectiva de solução é não mais setorizar o conhecimento. Tudo está interligado, e é preciso entender. Política, economia, saúde, educação, lazer, tudo isso está dentro de uma nova perspectiva. Estamos vivendo um impasse civilizatório. Não é tarefa de um ou de outro resolver sozinho. Todos nós temos de nos descobrir imersos nesse desafio e dialogar cada vez mais.

Informe ENSP: Em suas palestras e livros, você usa diversos conceitos para falar das questões socioambientais. Você pode explicar melhor alguns deles?

André Trigueiro: Estávamos falando do 'analfabetismo ambiental', que é a falta de informação dos indivíduos sobre um tema que está afetando a todos nós. A questão é que cada pessoa também é responsável pelo que sabe, pelo que aprende, se interessa e vai lutar. Apesar de estarmos já vivendo essa crise ambiental sem precedentes, e ainda temos muitas pessoas que não se deram conta disso, é preciso começar a se adaptar às novas necessidades do mundo. Simples ações como não jogar papel no chão e até questões mais complexas como comprar carne bovina certificada - que tem a garantia de que a produção não provoca desmatamentos nem utiliza mão-de-obra escrava ou infantil - fazem toda a diferença. É importante que saibamos nos posicionar melhor enquanto cidadãos.

Não temos a menor noção de que cada escolha que se faz na vida determina algum tipo de repercussão no meio natural, porque nós somos analfabetos ambientais. Buscar direitos, refletir sobre as escolhas e garantir, assim, a nossa qualidade de vida, dos nossos filhos e netos.

O 'ecocídio', por exemplo, diz respeito ao nosso comportamento com o mundo e as sequelas disso para nossa vida e saúde. Se continuarmos no ritmo que estamos, as catástrofes naturais aumentarão, os problemas que nos atingem hoje tomarão enormes proporções. Estamos fazendo mal a nós mesmos, e isso é suicídio. As pessoas que vivem em cidades, e, no Brasil, elas são mais de 83% da população, têm água encanada, alguém para buscar o lixo e o entulho na porta de casa. Estamos encapsulados num ambiente artificial. A cidade não é um meio natural.

Uma das saídas é o 'consumo consciente'. Não temos a noção dos custos ambientais dos danos causados pelo nosso estilo de vida. Quantos saquinhos plásticos você pega no supermercado? Você pode comprar tudo o que quiser se tiver poder aquisitivo. Comprar mais um carro para a família significa gastar mais combustível, emitir mais gases poluentes etc.

Informe ENSP: E a questão da sustentabilidade?

André Trigueiro: Esse também é um assunto muito importante. Os interesses políticos, econômicos e financeiros ainda se sobrepõem ao uso sustentável de recursos. Existe uma relação direta entre escassez de recursos minerais e conflitos, que causam cenários de tensão, disputa e eventuais guerras. Todos nós testemunhamos a invasão do Iraque - uma decisão que, segundo o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), foi contrária à legislação internacional na invasão de um país soberano à procura de um recurso natural finito, não renovável, que é o petróleo. Mortes, destruição e doenças ilustram bem o que é o interesse de um país poderoso e rico que quis assegurar seu suprimento de recurso natural. Temos diversos outros exemplos que impressionam e revelam o cuidado que devemos ter na gestão inteligente dos recursos disponíveis.


Informe ENSP: Portanto, é urgente que cada pessoa tenha consciência e seja responsável pelas mudanças que o mundo precisa?


André Trigueiro: Conforme disse anteriormente, a responsabilidade é compartilhada, sim. Isso não é só função da mídia. Deve ser ensinado também dentro de casa, escolas e universidades. É uma questão ética saber fazer bom uso dos recursos e ter informações sobre o certo e o errado. Os locais de formação como escola e universidade têm um papel estratégico, fundamental, insubstituível de formação de pessoas preparadas para viver esse tema. Por isso precisam acompanhar as mudanças do mundo.


Corrigir o rumo é uma questão de sobrevivência, autoestima, ética civilizatória. Hoje, esclarecer e informar sobre assuntos ambientais não é uma alternativa. É o único caminho para o desenvolvimento das próximas décadas. É impossível falar de políticas públicas sem falar de sustentabilidade. Se não quisermos replicar o modelo 'ecocída' de desenvolvimento, se continuarmos praticando o autoextermínio e agravando as situações, estamos desenvolvendo um risco. E essas bombas-relógio irão explodir. É claro que os mais pobres e mais vulneráveis sofrerão mais os impactos. Porém, isso não significa que a parcela da população com maior poder aquisitivo tenha mecanismos de proteção infinitamente superiores. Todos nós sofreremos esses impactos. De uma forma ou de outra, sofreremos.




Aquecimento global: uma crise com nossas digitais

ENSP, publicada em 09/07/2010
"Se não começarmos efetivamente a fazer algo para reduzir os impactos do aquecimento global, estaremos assumindo um enorme risco. Esse é o desafio que está colocado para a humanidade nos próximos anos. E ele é urgente, pois as consequências serão graves e profundas", alertou o economista e ambientalista Sergio Besserman no segundo dia do curso de atualização Saúde, Ambiente e Comunicação, que integra o V Seminário David Capistrano da Costa Filho de Atualização em Saúde e Ambiente, promovido pelo Programa de Pós-Graduação Saúde Pública e Meio Ambiente da ENSP.

Dando continuidade às aulas, além de Besserman, nesta terça-feira (6/7), a Escola recebeu também o jornalista pós-graduado em Gestão Ambiental André Trigueiro para o debate da temática Cidades, meio ambiente e saúde. A mediadora da mesa foi a Coordenadora de Comunicação Institucional da ENSP, Ana Furniel.

Besserman disse que a revolução Darwiniana - seleção natural das espécies explicada pela teoria evolucionista do naturista Charles Darwin - ainda não acabou: "a terra tem mais de 4 bilhões de anos e já passou por grandes extinções e destruições. Se pensarmos nisso, vamos ver que estamos estragando a natureza sim, mas a natureza do nosso tempo, da era recente. E as consequências também serão sofridas pela população do nosso tempo, principalmente as mais vulneráveis", explicou ele.

Besserman continuou afirmando que nós já mexemos demais na natureza do planeta e há um grande risco de estarmos causando uma catástrofe. "O capitalismo moderno, especificamente o período pós Revolução Industrial (início do século XX), ajudou o mundo a se desenvolver. Muitos países enriqueceram, melhoramos a qualidade e a expectativa de vida, mas também passaram a existir alterações ecossistêmicas globais. Acredito que esse progresso tenha nos salvado, mas deixou graves consequências que estamos vivenciando hoje. É preciso sair desse estado caótico, começar a agir de forma radicalmente diferente.

A evolução mundial e as agressões globais

O economista ressaltou que estamos lidando com seis grandes agressões globais. A primeira delas é a desertificação e perda da qualidade dos solos; a segunda questão é o buraco da camada de ozônio. O terceiro problema elencado é a crise de recursos hídricos e a escassez de água doce. Segundo ele, "apenas 1,9% da água que temos acesso é doce. Já sabemos como transformar a água salgada em doce, mas essa ainda é uma opção muito cara. A questão é que nossa demanda tem aumentado de maneira exponencial. No ano de 1800, éramos cerca de 1 bilhão de habitantes. Em 1930, passamos para 2 bilhões e agora, em 2010, já somos mais de 6 bilhões e meio de habitantes. Com isso, as crises já estão acontecendo e cada vez mais graves".

O quarto grande problema citado é a acidificação ou degradação dos oceanos. Depois, a crise da biodiversidade, que, de acordo com Besserman, especialistas apontam que, até 2050, mais de 40% das espécies serão extintas, significando para ele uma alta taxa de risco sistêmico. A sexta e mais preocupante questão, segundo o economista, são as mudanças climáticas e o aquecimento global. "As mudanças climáticas afetam as coisas de uma tal forma que essa questão se torna o mais importante tema. Ela é grave, urgente e profunda, pois agrava todos os outros problemas e não pode ser resolvida apenas com soluções tecnológicas", comentou.

Sergio Bessermam assegurou que o aquecimento global já é uma realidade e sua mudança está nas mãos de todos os cidadãos. Especialistas apontam para a possibilidade da temperatura global aumentar entre 2ºC e 7ºC em 100 anos. "Se conseguirmos transformar essa curva de crescimento em que nos encontramos, será a maior revolução da história da humanidade. Não temos mais tempo para evitar o aquecimento global. Os problemas como chuvas, grandes períodos de seca, inundações e outros já são realidade. O que devemos fazer agora é nos adaptar e mudar nossas atitudes para minimizar as consequências", concluiu ele.

Visão sistêmica, sustentabilidade e consumo consciente são caminhos na busca por soluções

"Temos de conhecer as leis que regem a vida e o universo", defendeu André Trigueiro no início de sua apresentação, dizendo que "a realidade é um conjunto de fenômenos interligados, interdependentes e que interagem entre si. O fato é que não a enxergamos assim. Não é aceitável replicar erros do passado, por isso é preciso desenvolver a visão sistêmica e dialogar com outras áreas. Estamos vivendo essa crise ambiental sem precedentes porque um dia acreditamos que poderíamos viver sozinhos".

De acordo com Trigueiro, a sustentabilidade é todo projeto ou sistema que respeita os limites do meio em que está inserido, "mas, na economia, não funciona assim, não se respeita limites, e essa atitude é destrutiva e ameaçadora. Infelizmente, no mundo, os interesses de cada nação muitas vezes ainda se sobrepõem aos interesses globais. As regras do 'jogo' não favorecem a celeridade do processo. Isso gera um gap, e os riscos se potencializam".

Outro fator agravante de grande relevância para o palestrante é o consumo sem reflexão. "Introjetamos o consumo pelo consumo em nossa sociedade e passamos a seguir esse modelo como premissa de felicidade. Hoje, não basta ter, é preciso ostentar; e esse é um problema de ordem ética e moral, pois a sociedade do consumo não retroalimenta valores como cidadania, solidariedade e outros. Porém, hoje, mudar não é opção nem capricho, é necessidade. Existe um dogma que aponta o consumismo como fator propulsor de desenvolvimento econômico, mas, quando ele é feito de forma consciente, também pode ser uma política econômica eficaz", explicou.


Trigueiro alertou que a escassez de recursos gera conflitos e lembrou da experiência da ambientalista Wangari Muta Maathai, que, em 2004, recebeu o Prêmio Nobel da Paz depois de criar um cinturão verde para a recuperação da área desmatada no Quênia. "Ela percebeu que, com o déficit das florestas, que de 100% do total passaram para apenas 4%, houve um aumento da taxa de violência, de doenças, a diminuição da qualidade de vida e outros. Com a ajuda, principalmente de mulheres, replantou 32 milhões de árvores, reconfigurando biomas e também a qualidade de vida daquela população." Ele também citou Al Gore e o documentário Uma Verdade Inconveniente, que tornou o aquecimento global um tema popular, discutido por todos.


De acordo com Trigueiro, essa crise tem as nossas digitais. Vivemos um modelo 'ecocida', por isso é preciso mudar urgente. "Ainda somos um país fortemente baseado na agropecuária. Dos 17% de área desmatada, 80% são devido à pecuária. Existem mais cabeças de boi no Brasil do que pessoas; são cerca de 200 milhões. Uma das alternativas para reverter essa situação é fazer a informação circular. Precisamos dirimir o 'analfabetismo ambiental'. Os riscos sistêmicos ocorrem quando nos eximimos de culpa. Por isso, faço um apelo: não tenham medo de incomodar, perguntar, buscar e divulgar", encerrou André Trigueiro.

Seminário David Capistrano da Costa Filho de Atualização em Saúde e Ambiente, 5º, 2010 - Áudios das palestras e debate.

Segundo dia do curso de atualização Saúde, Ambiente e Comunicação, que integra o V Seminário David Capistrano da Costa Filho de Atualização em Saúde e Ambiente, promovido pelo Programa de Pós-Graduação Saúde Pública e Meio Ambiente da ENSP. O evento aconteceu no dia 6 de julho de 2010, na sala 410 da Escola.

Dando continuidade às aulas, além de Sergio Besserman, a Escola recebeu também o jornalista pós-graduado em Gestão Ambiental André Trigueiro para o debate da temática Cidades, meio ambiente e saúde. O economista e ambientalista Sergio Besserman alertou que 'se não começarmos efetivamente a fazer algo para reduzir os impactos do aquecimento global, estaremos assumindo um enorme risco. Esse é o desafio que está colocado para a humanidade nos próximos anos. E ele é urgente, pois as consequências serão graves e profundas'. A mediadora da mesa foi a Coordenadora de Comunicação Institucional da ENSP, Ana Furniel. Arquivos disponíveis para audição e/ou download nos ícones ao lado.
http://www4.ensp.fiocruz.br/biblioteca/home/exibedetalhesBiblioteca.cfm?ID=10992&tipo=B

-- 
Saiba mais sobre os ODM-SP nab http://odmsp.blogspot.com/

http://sosabelhas.wordpress.com/about/

Rede Mobilizadores COEP ( Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida)    
www.mobilizadores.org.br/coep - www.mobilizadorescoep.org.br

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