23/05/2010 - 09h05 TERRAMÉRICA - Como gastar o dinheiro ambiental Por Diana Cariboni* |
O mundo tem graves problemas ambientais. É necessária uma instituição financeira multilateral que pague as soluções?
Montevidéu, 24 de maio (Terramérica).- As instituições multilaterais de crédito costumam ser criticadas por causar mais dificuldades do que por evitar. Na medida em que crescem males como a mudança climática, o debate muda para o financiamento ambiental. A Quarta Assembleia do Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF), que começa hoje e termina no dia 28, na cidade turística uruguaia de Punta del Este, parece uma boa ocasião para fazer a pergunta.
Shamva, no norte do Zimbábue, era conhecida décadas atrás por seu tabaco, milho, algodão, feijão e café, que cresciam sem necessidade de irrigação artificial. Entretanto, chove cada vez menos e os rios secaram, em parte pelo desmatamento. Embora a última colheita tenha deixado muitos pratos vazios, a ajuda alimentar não chega a Shamva, “porque continua sendo considerada uma área agrícola produtiva”, disse ao Terramérica o ativista local Isaac Chidavaenzi.
Em novembro de 2008, Chidavaenzi colocou em marcha a Chengaose Foundation Trust para promover a perfuração de poços de água, e conseguiu US$ 50 mil do Programa de Pequenas Doações (PPD) do GEF. Os beneficiários eram sete mil aldeões da área de Madziwa, em Shamva, parte da província Mashonaland Central. Com a primeira entrega de dinheiro, muitos cavaram seus poços. Mas o GEF não liberou os US$ 20 mil restantes, necessários para instalar as bombas, os tanques e as tubulações para irrigação das hortas, por atraso nos relatórios que seu sócio local, a Chengaose Trust, deve apresentar. “Tenho a água, mas não como levá-la até a plantação”, disse Goodreach Masuku, um dos agricultores que se reuniram no dia 10 com funcionários locais do GEF.
Mais e mais pessoas querem ter seu poço, disse ao Terramérica a coordenadora nacional do PPD, Khethiwe Mhlanga. E isto é “apenas um projeto-piloto para mostrar o caminho. A luta agora é nos manter dentro desses números”, acrescentou. Nos três últimos anos, o PPD ajudou 30 comunidades do Zimbábue com US$ 1,2 milhão. Pouco para um país de 11,4 milhões de habitantes e há anos submerso em crises agropecuárias e institucionais. O PPD maneja menos de 1% do dinheiro do GEF, a principal organização financeira internacional dedicada ao meio ambiente, criada pelo Banco Mundial em 1991, quando recebia uma chuva de críticas por promover investimentos que causavam contaminação.
Hoje, “inclusive os críticos mais recalcitrantes acreditam que o PPD é maravilhoso”, disse ao Terramérica a pesquisadora Zoe Young, autora de “Uma nova ordem verde? O Banco Mundial e as políticas do GEF”, publicado em 2002. “Esses recursos vão para pequenos grupos locais que conhecem seus lugares e sabem o que é preciso fazer. Esse dinheiro funciona”, acrescentou. Mas o modelo deixa de ser eficiente quando se trata de vários milhões de dólares.
Bem distante do Zimbábue, em Cuba, um programa de proteção da biodiversidade obteve U$ 10 milhões do GEF, repartidos desde 1993 em três projetos. Trata-se do Ecossistema Savana Camaguey, que inclui 19 mil quilômetros de bacias hidrográficas e mais de 2.500 abrolhos que ocupam 3.400 quilômetros quadrados na costa norte. Ali vivem 2,3 milhões de pessoas. A tentativa é harmonizar desenvolvimento turístico agricultura, reflorestamento e pesca sem danificar a rica natureza local. Além do GEF, há contribuições do governo, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), da cooperação canadense e do Fundo Mundial para a Natureza, disse ao Terramérica o oficial das Nações Unidas, Gricel Acosta.
Mangues, pastos marinhos e arrecifes coralinos, com abundância de espécies endêmicas, marcam as paisagens na região. Em 17 anos, a iniciativa está em sua terceira fase, e o que é aprendido pode ser aplicado em outras áreas, disse ao Terramérica a pesquisadora María Elena Perdomo, do Centro de Estudos e Serviços Ambientais da província de Villa Clara. Perdomo valoriza “as capacidades necessárias para aprofundar o conhecimento dos recursos e propiciar a busca de alternativas para uso sustentável da biodiversidade”.
Países como o México e os caribenhos, que “estão adotando modelos de produção baixos em carbono, deveriam se apoiados pelo GEF no pagamento dos elevados custos iniciais dessas opções”, disse ao Terramérica a especialista Maria Athena Ballesteros, do World Resources Institute. “O México apoia uma iniciativa de transporte sustentável. Seguramente necessita de uma contribuição para fortalecer seus recursos humanos, institucionais e técnicos”, acrescentou.
Quando o dinheiro é pouco, deve-se optar. O GEF reparte US$ 8,7 bilhões entre mais de 2.400 projetos em cerca de 165 países. Os fundos prometidos para os próximos quatro anos são de US$ 4,25 bilhões, menos da metade do que considera necessário a rede norte-americana de organizações não governamentais acreditadas junto ao fundo. De outro ângulo, o problema não é dinheiro. Por acaso o mundo não precisa financiar soluções para a mudança climática, a perda de biodiversidade e a desertificação? “Esses problemas são graves, o dinheiro ajudaria e são necessárias ações, mas minha resposta é não”, disse Zoe Young.
Quando GEF foi criado, “havia uma proposta de que o conhecimento ambiental fosse incluído em cada projeto do Banco Mundial e de todas as entidades multilaterais de finanças públicas”, acrescentou Young. “Se todo o dinheiro, conhecimento e especialistas fossem usados para estabelecer regulações obrigatórias, por exemplo, de eficiência energética, padrões industriais, investimentos de multinacionais de energia, níveis seguros de emissões e limites à contaminação, muito mais gente seria beneficiada”, afirmou.
Para Young, criar “um fundo para a mudança climática é um caminho para o fracasso. Se o dinheiro público se destina a criar e fazer cumprir boas normas para todos os investimentos, não precisamos de invenções estranhas como o mercado de carbono e a compensação de emissões” de gases-estufa, ressaltou. O GEF existe e acumula influência desde que, em 1994, ficou independente do Banco Mundial, que continua a administrá-lo. Hoje é o instrumento econômico das convenções contra a mudança climática, os contaminantes orgânicos persistentes, a perda de biodiversidade e a desertificação, entre outras funções.
* A autora é correspondente da IPS. Com colaborações de Ephraim Nsingo (Harare), Matthew Cardinale (Atlanta) e Patrícia Grogg (Havana).
Crédito da imagem: Vusumuzi Sifile/IPS
Legenda: Camponeses de Shamva, no Zimbábue, testam um protótipo de bomba e tanque de água para regar hortas.
LINKS
Ambientalistas reclamam sistema multilateral poderoso
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=3414&olt=464
Quarta Assembleia do Fundo para o Meio Ambiente Mundial, em espanhol, ingles e francês
http://gefassembly.org/j2/index.php
A função dos benefícios locais e os programas ambientais mundiais, PDF em espanhol
http://gefeo.org/MonitoringandEvaluation/MEPublications/documents/signposts-localbenefits-spanish-8x11-cor.pdf
O Fundo para o Meio Ambiente Mundial e seu Estudo de Benefícios Locais - Uma crítica, PDF em espanhol
http://www.forestpeoples.org/documents/ifi_igo/gef/fpp_gef_briefing_aug06_sp..pdf
Projeto da Chengaose Foundation Trust, em inglês
http://sgp.undp.org/web/projects/14393/prevention_of_land_degradation_through_environmental_management_strategies_and_enhancement_of_commun.html
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.
(Envolverde/Terramérica)
Nenhum comentário:
Postar um comentário