quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Verde e pragmática

Enquanto parte do governo continua às turras com o agronegócio — a última investida veio do ministro Paulo Vannuchi, dos Direitos Humanos —, a ONG americana TNC mostra que a parceria com os produtores é o melhor caminho para preservar a natureza

 
Uma sina curiosa vem perseguindo o agronegócio brasileiro nos últimos anos. Quanto mais dá mostras de sua competência lá fora, mais ele apanha aqui dentro — das ONGs, de políticos, do próprio governo. A mais recente investida ocorreu com a divulgação da nova versão do Programa Nacional de Direitos Humanos, de autoria do ministro Paulo Vannuchi. No meio de um festival de barbaridades, ficamos sabendo que o plano dá respaldo às invasões de terras, dificultando a obtenção de mandados de reintegração de posse na Justiça. Esqueça a lei. Se prevalecer o que Vannuchi propôs, as invasões serão avaliadas por audiências públicas — e só se essas audiências aprovarem é que a Justiça entrará em ação para defender os proprietários. Felizmente, nem todos acham que os males do Brasil são a excelência na produção de comida.

Até mesmo ONGs ambientalistas, famosas pela virulência de sua militância, compreenderam que o agronegócio pode ser parceiro não apenas na hora de gerar riquezas mas também — pasme — de proteger a natureza.
O melhor exemplo tem sido dado pela americana The Nature Conservancy (TNC), a maior organização civil do planeta voltada para o meio ambiente, hoje presente em 32 países. A TNC é responsável pelo mais bem-sucedido modelo de combate ao desmatamento do país, o de Lucas do Rio Verde, no interior de Mato Grosso — conseguido exatamente por meio de parceria com o agronegócio. A ideia é obter a preservação combinando imagens de satellite — que permitem mapear as terras e detectar a derrubada de árvores — com incentivos econômicos, como linhas de crédito e cursos de educação ambiental para fazendeiros que se mostram dispostos a regularizar suas atividades. Agora o programa de Lucas do Rio Verde começa a ganhar escala nacional. Inspirado nele, o governo federal lançou o programa Mais Ambiente com o objetivo de regularizar sobretudo propriedades rurais com problemas de desmatamento ilegal e que não estão registradas devidamente. O governo fixou prazo de três anos para a adesão dos proprietários ao programa. A medida vale para todo o país, mas tem por alvo especialmente as áreas mais críticas da Amazônia.

Paralelamente, o governo de Mato Grosso adota a mesma abordagem para legalizar a situação fundiária no estado. O governador Blairo Maggi lançou em 2009 o programa Mato Grosso Legal para cadastrar 50 000 propriedades até o fim deste ano. No âmbito federal, ainda não se sabe quantos produtores serão atingidos.
Fonte inspiradora dessas iniciativas, a TNC é um exemplo de pragmatismo que contrasta com o estereótipo da militância irada e inconsequente de muitas ONGs. Em Lucas do Rio Verde, município que é um dos maiores produtores de soja do país, a TNC teceu em 2007 uma parceria entre a prefeitura e as empresas Sadia, Syngenta e Fiagril. Nos últimos três anos, o agrônomo Giovanni Mallmann, chefe da equipe da TNC na cidade, rodou 20 000 quilômetros visitando as 820 fazendas da região. “No começo, parte dos proprietários nos via com desconfiança”, diz Mallmann. “Agora eles sabem que esse é o único caminho capaz de garantir a preservação das terras e a existência de compradores para seus produtos.” Batizado de Lucas do Rio Verde Legal, o programa fez um diagnóstico com imagens de satélite e deu prazo de dez anos para os fazendeiros recuperarem as matas.
Eles também ganham mudas e assistência técnica no replantio. Hoje, o cadastramento das terras de Lucas do Rio Verde está pronto e a base de dados gerada vai ser transferida para o governo de Mato Grosso desenvolver seu programa.

É verdade que a ideia de usar satelite para esquadrinhar as propriedades rurais já existia em repartições federais e estaduais desde os anos 90. Mas o plano oficial era um fiasco em estratégia e gestão. “As normas ditavam que o proprietário em situação irregular levasse sua documentação ao poder público”, diz a bióloga Ana Cristina Barros, representante da TNC no Brasil. “Mas, ao chegar lá, ele seria autuado em flagrante.” Como era de prever, a iniciativa governamental fracassou. Em Lucas, a TNC mudou a tática. Em vez de os produtores irem a uma repartição, a ONG e representantes da prefeitura visitam os fazendeiros para obter sua adesão. Uma das metas da TNC em 2010 é o cadastramento de terras em 12 municípios do Pará e de Mato Grosso, no chamado arco do desmatamento, para legalizar a cadeia produtiva da madeira, da pecuária e da soja. A verba disponível é de 16 milhões de reais do Fundo Amazônia, uma carteira administrada pelo BNDES com recursos doados pela Noruega. No projeto, que tem uma contrapartida de 3,2 milhões de reais da própria TNC, a organização trabalhará em parceria com as prefeituras locais. “Contamos com o conhecimento da TNC para iniciar a regularização fundiária na região”, diz o presidente do BNDES, Luciano Coutinho. “Ela provou ter um método bem-sucedido para os produtores se adequarem às normas ambientais.” Falta convencer outros companheiros do governo de que o tiroteio sobre os proprietários não ajuda — mas pode atrapalhar muito.

MADRINHA DA NATUREZA
Presente em 32 países, a The Nature Conservancy é a maior organização não governamental de defesa ambiental do planeta

NO MUNDO
Fundação: 1951, nos Estados Unidos
Missão: A TNC trabalha com governos e empresas para proteger desde os recifes de corais da Austrália até os elefantes de Zâmbia
Orçamento em 2009: 962 milhões
Número de especialistas: 3000

NO BRASIL
Início de operação: 1994
Orçamento em 2009: 37 milhões
Número de especialistas: 50
Áreas: Amazônia, cerrado, mata Atlântica, caatinga e Pantanal
Principais empresas parceiras: Disney, Dow, Gerdau, Syngenta e Vale

PRINCIPAIS PROJETOS
Lucas do Rio Verde Legal: Programa que realizou um diagnóstico pioneiro das áreas degradadas do município produtor de soja em Mato Grosso. A próxima etapa engloba o refl orestamento e a regularização fundiária e trabalhista de 820 propriedades
Santarém: Em parceria com a Cargill, trabalha na regularização ambiental de 300 propriedades produtoras de grãos, que são comprados pela empresa e exportados para países da Europa e da Ásia
Mata Atlântica: Por meio de doações, a TNC pretende plantar 1 bilhão de árvores.
Fonte: TNC Brasil
Fonte: Angela Pimenta, revista exame, 10-fev-2010

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