sexta-feira, 13 de abril de 2012

Cientistas chamam atenção para futuro dos oceanos


Aumento das temperaturas médias dos mares pode levar à extinção de entre 20% e 50% das espécies do planeta - 24 de fevereiro de 2012 | 8h 01

A conferência anual da Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS) foi realizada de 16 a 20 de fevereiro em Vancouver, cidade à beira-mar no Canadá. Não por acaso, diversos relatos de pesquisas relevantes sobre a vida e o futuro dos oceanos foram apresentados durante o encontro e chamaram a atenção do público em geral e especialmente da comunidade local.

Uma das exposições de grande repercussão  foi a de James Hansen, do Instituto Goddard para Estudos Espaciais da Nasa, a agência  espacial norte-americana. Segundo Hansen, o uso intensivo de combustíveis fósseis e  o consequente aumento das temperaturas médias dos oceanos (já bastante superiores
às do Holoceno) podem levar, entre outras consequências, a elevações de vários metros
 do nível dos oceanos e à extinção de entre 20% e 50% das espécies do planeta.

A elevação do nível dos mares coloca em risco a própria existência física de cidades em áreas costeiras de baixa altitude, como é o caso de Vancouver, entre muitas outras. O fenômeno é intensificado pelo derretimento de parte das calotas polares, também decorrente do aquecimento global, especialmente em regiões mais próximos dos  polos, como também é o caso da cidade canadense.

O alerta de Hansen, uma das grandes estrelas da reunião da AAAS, teve, portanto, grande impacto na opinião pública da cidade anfitriã da conferência, inclusive porque suas autoridades públicas tomaram recentes decisões que seguem na contramão das advertências do cientista.

Por exemplo, há planos para dobrar a produção de carvão metalúrgico e fazer crescer significativamente a de gás natural liquefeito, não só para atender à demanda local por energia, mas também para exportação.

Menos célebre do que Hansen, mas também muito respeitado na comunidade científica internacional, Villy Christensen, professor da Universidade da Colúmbia Britânica, apresentou resultados iniciais, mas impressionantes, de seu projeto  Nereus, cujo nome homenageia o deus grego que previa o futuro e morava no mar Egeu.

Segundo Christensen, as melhores estimativas atuais são de que há nos oceanos  cerca de 2 bilhões de toneladas de peixe, ou seja, cerca de 300 quilos para cada habitante do planeta. No entanto, pelo menos metade disso está em zonas muito profundas dos mares, é constituída de espécies pequenas demais em tamanho e, por isso, é inviável para exploração comercial e consumo humano.

E na outra metade, de peixes que medem pelo menos 90 centímetros e são apropriados para alimentação de pessoas, houve um declínio da biomassa de 55%  de 1970 até agora. “É uma mudança dramática e global”, disse.

Christensen defendeu que se invista mais em pesquisa sobre a vida marinha e especialmente sobre o impacto do aquecimento global sobre ela para que decisões políticas apropriadas possam ser tomadas, mas - apesar da necessidade de mais estudos - ele acha que o que já se sabe é suficiente para muita preocupação com o futuro.

Por exemplo, há a previsão de que o aumento da temperatura das águas  vai fazer com que muitas espécies de animais marinhos procurem as  águas mais frias das regiões mais próximas dos polos, o que poderia
beneficiar os habitantes dessas áreas.

Mas William Cheung, que trabalha no mesmo projeto Nereus, argumenta que essa conclusão otimista pode ser apressada e errada: diferenças de quantidade de oxigênio em águas frias e quente e a crescente
acidificação dos oceanos, outra consequência das mudanças climáticas, também comprometem negativamente a produtividade marítima.

Lisa Levin, do Instituto de Oceanografia Scripps, da Califórnia, em outra  atividade da conferência da AAAS, corroborou indiretamente a fala de  Cheung. Levin mostrou conclusões de sua pesquisa, segundo as
 quais o aquecimento dos oceanos produzidos pelas mudanças climáticas está causando a expansão de zonas submarinas de baixo oxigênio, o que afeta negativamente a produção pesqueira de diversas regiões, inclusive as da costa da Colúmbia Britânica.

Levin chama o fenômeno de “compressão de habitat” e disse que ele afeta áreas que se estendem por mais de 150 mil quilômetros  em torno das beiradas dos oceanos. Segundo suas previsões, até o ano de 2050, peixes que habitam nessas regiões podem perder  50% na variação da profundidade em que vivem.

Os canadenses são bastante sensíveis para este tipo de problema por já terem visto como podem ser socialmente dramáticos os seus  efeitos. Há cerca de 20 anos, a escassez da produção de bacalhau
na região de Newfoudland, na costa leste do país, provocou o fim de  40 mil empregos. Diversas espécies de peixe - como o do bacalhau atlântico daquela cidade - estão sendo consideradas como ameaçadas
de extinção e sua pesca está sendo restringida ou totalmente proibida.

Patentes genéticas

Os efeitos dos problemas dos oceanos são percebidos em vários países. O professor Rashid Sumaila, também da Universidade da Colúmbia Britânica, apresentou aos participantes da conferência da AAAS estudos  que conduziu no México que apontam redução de até 20% em poucos  anos na produção de pesca de diversas espécies de peixes e moluscos.

Os efeitos de mudanças nos oceanos na vida do planeta discutidos na reunião da AAAS em Vancouver não se limitaram aos atuais e aos do futuro.

Peter DeMonocal, biólogo marinho da Universidade Columbia de Nova York, mostrou sua pesquisa, de acordo com a qual grandes diferenças de temperatura nos oceanos Índico e Pacífico que ocorreram há 2 milhões de anos foram responsáveis por alterações de padrões de chuva na África oriental que desertificaram vastas áreas daquele pedaço do mundo.

Mesmo quando as notícias sobre a exploração, a atividade e as mudanças  nos oceanos apresentadas no encontro da AAAS são inegavelmente positivas, elas não deixaram de trazer junto com elas algum tipo de preocupação.

Por exemplo, Carlos Duarte, diretor do Instituto de Oceanos da Universidade da Austrália Ocidental, relatou como um grande tesouro de recursos genéticos está sendo descoberto e permitirá aplicações
 em diversos setores da economia, como medicamentos para combater  dores, câncer, regenerar tecidos e ossos ou para gerar biocombustíveis.

De acordo com Duarte, desde 2009 cerca de 5 mil patentes genéticas de organismos marinhos foram requeridas e é previsto um aumento de  12% ao ano desta quantidade. Duarte também afirmou que a vida
marinha tem uma diversidade muito superior à da terrestre e que  pode levar até mil anos para que todas as suas espécies sejam descobertas e catalogadas.

Tudo isso pode ser ótimo, mas também pode provocar ainda mais  problemas se não houver uma regulamentação bem concebida e cumprida rigorosamente para evitar excessos na pesquisa e exploração
 desses recursos, que agravariam ainda mais os efeitos das mudanças climáticas.

Além disso, há a questão de quem vai usufruir materialmente dessas descobertas. Apenas dez países têm 90% dos pedidos de patentes  genéticas de organismos marinhos e três deles (Estados Unidos,
Alemanha e Japão) têm 70%.

Isso pode fazer com que o fosso entre países ricos e pobres aumente  ainda mais, com as inevitáveis tensões sociais decorrentes, e causar  atritos diplomáticos capazes de prejudicar eventuais compromissos em  decisões sobre problemas críticos, como os das mudanças climáticas.

Fonte: Estadão

Nenhum comentário:

Postar um comentário

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...