quarta-feira, 13 de junho de 2012

Norman Gall: ‘Falta de água na China causará mais conflitos do que comunismo’


Com 19% da população global, a China abriga um terço das cidades que estão no ranking das que mais sofrem com escassez de água e possui 16 dos 20 municípios mais poluídos do mundo, em termos de recursos hídricos. Paralelo ao problema, a densidade demográfica do país não para de crescer e, até 2030, a demanda por água dobrará. Para Norman Gall, diretor executivo do Instituto Braudel, a falta do recurso causará na China mais conflitos do que o comunismo já provocou até hoje e enfraquecerá o país na economia global
Por Débora Spitzcovsky - Planeta Sustentável - 30/05/2012

 Nas últimas três décadas, a China cresceu, em média, 10% ao ano, tornando-se a segunda maior potência econômica do mundo e com grandes chances de subir para a primeira posição nos próximos cinco ou dez anos. Tamanho desenvolvimento, no entanto, pode ter um preço alto: "Por mais de dois mil anos, a gestão em larga escala da água foi uma ferramenta extremamente necessária para o crescimento da nação chinesa. Mas o que foi força no passado está se transformando em fonte de fraqueza", disse Norman Gall, jornalista norte-americano e diretor executivo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, durante a palestra A crise da água na China, apresentada na FAAP, dia 29 de maio.

O especialista fez uma imersão de seis semanas na potência oriental com o objetivo de analisar os desafios da questão da água no país e chegou a seguinte conclusão: "A escassez do recurso é mais aparente a cada dia e, claramente, ameaça a sobrevivência do povo chinês. A falta de água causará mais conflitos do que o comunismo já provocou até hoje no país e enfraquecerá a China no cenário econômico global", afirmou.

As previsões de Gall são baseadas nos números. Atualmente, com 19% da população global - cerca de 1,3 bilhão de habitantes -, a China abriga um terço das cidades que estão no ranking mundial das que mais sofrem com escassez de água e possui 16 dos 20 municípios mais poluídos do mundo, em termos de recursos hídricos. Além disso, desde a década de 90, o câncer é a principal causa de morte no país - sobretudo o de fígado, por conta da água poluída - e a necessidade de buscar água cada vez mais fundo, nos poços subterrâneos, está fazendo a China afundar, literalmente. "Já existem no país poços com cerca de mil metros de profundidade e o bombeamento de água que está sendo feito para suprir a demanda é mais rápido do que a capacidade da natureza de repor o recurso. Como consequência, a terra afundou cerca de dois metros em aproximadamente 50 cidades da China e, inclusive, está ameaçando o funcionamento das ferroviais de alta velocidade do país, sobretudo a linha Xangai-Pequim", contou Norman.

A situação é ruim e a tendência é piorar. "Até 2025, a população da China ganhará mais 400 milhões de pessoas. É o dobro da população do Brasil. E, até 2030, a demanda por água duplicará, com relação a 1980. Se as pessoas já sofrem hoje com a falta de água, imaginem na próxima década. As contas simplesmente não fecham", disse Norman, que completa: "O problema está, apenas, no começo. Eu desejo ao povo chinês sorte".

NEM TUDO ESTÁ PERDIDO

Gesner Oliveira, professor da FGV-SP e ex-presidente da Sabesp, também participou da palestra A crise da água na China e disse não acreditar na tese malthusiana de que a população crescerá e faltarão recursos para todos. "Os números chineses são assustadores, mas eles são capazes de enfrentar o problema, se derem uma grande guinada rumo à inovação tecnológica", afirmou Gesner.

Para o professor, superar a crise de água na China e em tantos outros países que também sofrem com o problema, em menor ou maior escala - como Brasil, Índia e Bangladesh -, depende, essencialmente, de dois processos:

- a precificação da água, somada à conscientização para o uso racional do recurso e

- o estímulo a um ciclo produtivo.

 "Muitos governos são relutantes em cobrar a água de acordo com seu real custo. Assim, cria-se uma ideia errônea de que o recurso é livre, o que causa um grave problema de fornecimento", disse Gesner. "O preço, claro, não é tudo. Mas quando vemos na rua alguém lavando a calçada com uma mangueira e, pior, mirando em uma folhinha para jogá-la no bueiro, percebemos que algo está errado. A água está muito barata".

Quanto ao estímulo a um ciclo produtivo, Gesner explica que desperdiçamos o recurso em seu processo de produção e descarte. "No geral, perde-se 40% da água em sua produção. Se investíssemos em eficiência e diminuíssemos esse índice de perda pela metade, aumentaríamos a oferta em 33%. Além disso, devemos reaproveitar a água que vai para o ralo, transformando-a em recurso de reuso. Até o lodo dessa água pode ser reutilizado para a fabricação de materiais de construção, geração de energia e produção de fertilizantes", disse. "É tudo uma questão de gestão, planejamento e educação", concluiu.

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