domingo, 10 de fevereiro de 2013

Novo Código florestal: para o STJ vale a Lei da época do desmatamento ilegal

por Andre Lima *

Decisão do Superior Tribunal de Justiça publicada em 19/12/2012 fortalece a tese de que os Programas de Regularização Ambiental sob a responsabilidade dos Estados devem ser monitorados de perto pela sociedade que deve exigir transparência e rigor totais.
Proprietário rural do Paraná alegou perante o STJ que, de acordo com o novo código florestal, seus atos (desmatamento ilegal) perpetrados antes de julho de 2008 contra uma área de preservação permanente ciliar (Rio Santo Antônio) não mais constituem crime, tampouco infração ambiental de sorte que as multas do Ibama e a obrigação em reparar o dano devem ser anuladas.
Em decisão relatada pelo Ministro Herman Benjamin, acolhida por unanimidade pela 2a Turma, o acórdão do STJ determina que as multas e a obrigação em reparar os danos ambientais florestais não devem ser canceladas ou anuladas até que sejam definidas as medidas de regularização que serão exigidas pelo Programa de Regularização Ambiental (PRA’s) que deve ser aprovado até maio deste ano pelo respectivo Órgão Estadual de Meio Ambiente.
A decisão lastreia-se juridicamente em alguns pressupostos constitucionais. O primeiro deles é que a multa e os termos de ajustamento de conduta devidamente conduzidos nos termos da legislação vigente constituem atos jurídicos perfeitos que não podem ser atingidos por lei superveniente. De acordo com a Constituição Federal (art. 5º, XXXVI) a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Se foi segurança jurídica que o legislador quis alcançar ao aprovar o Novo Código florestal, a nova Lei não pode desconstituir todos os atos jurídicos perfeitos realizados regularmente até a entrada em vigor da Lei. Dentre estes atos estão as multas, os termos de ajustamento de conduta, os embargos administrativos ou mesmo a averbação de reserva legal.
Há inclusive precedente do STJ que faz valer, no campo ambiental-urbanístico, a norma mais rigorosa vigente à época dos fatos, e não a contemporânea ao julgamento da causa, menos protetora da Natureza. Neste caso a Lei n. 6.766/79, art. 4º, III, que determinava, em sua redação original, a 'faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado' do arroio" foi alterada para 5 metros mas a decisão judicial foi a de que deve ser considerada a metragem definida por lei quando da ocupação (REsp 980.709/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 2.12.2008).
Ainda de acordo com o voto do Ministro Herman, “ao contrário, o art. 59 mostra-se claríssimo no sentido de que a recuperação do meio ambiente degradado nas chamadas áreas rurais consolidadas continua de rigor. Para tanto, ordena que essa prescrição se realize por meio de procedimento administrativo no âmbito de Programa de Regularização Ambiental – PRA, após a inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural – CAR (§ 2°) e a assinatura de Termo de Compromisso (TC), valendo este como título extrajudicial (§3°). Apenas a partir daí "serão suspensas " as sanções aplicadas ou aplicáveis (§ 5°, grifo acrescentado). Por ocasião do cumprimento integral das obrigações previstas no PRA ou no TC, "as multas" (e só elas), resultado da repristinação ecológica da área e das medidas de mitigação e compensação exigidas, "serão consideradas convertidas em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente".
Para o Ministro Herman e todos os demais ministros da 2ª Turma que o acompanharam em seus votos, “...a regra geral é que os autos de infração lavrados continuam plenamente válidos, intangíveis e blindados, como ato jurídico perfeito que são - apenas sua exigibilidade monetária fica suspensa na esfera administrativa , no aguardo do cumprimento integral das obrigações estabelecidas no PRA ou no TC. Tal basta para bem demonstrar que se mantém incólume o interesse de agir nas demandas judiciais em curso, não ocorrendo perda de objeto e extinção do processo sem resolução de mérito (CPC, art. 267, VI).”
Continua o voto: “Note-se que, conforme a Lei 12.651/2012, a regularização ambiental (“ambiental”, e não simplesmente “florestal”, o que implica o diálogo das fontes entre o novo Código, a Constituição Federal, a Constituição Estadual, e as demais leis que regem a proteção do meio ambiente) deve ocorrer na esfera administrativa , denotando inconveniência, para não dizer despropósito, pretender que o Poder Judiciário substitua a autoridade ambiental e passe a verificar, em cada processo, e a acompanhar por anos a fio (no lapso temporal do cumprimento das medidas de repristinamento ecológico, mitigação e compensação) a plena recuperação dos ecossistemas degradados e o cumprimento das obrigações instituídas no PRA. Aí estão providências intrincadas que devem ser técnica e previamente avaliadas e avalizadas, e depois fiscalizadas, pelo órgão ambiental, e não pelo juiz de demanda em curso. Saliente-se, em acréscimo, que no presente caso inexiste comprovação de adesão a tais programas, condição sine qua non para o requerente obter eventuais benefícios previstos na lei, muito embora, como já frisado, isso não seja capaz de mudar o julgamento dos autos.
Essa primeira decisão judicial mostra que é fundamental que o CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente como instância democrática e participativa máxima do Sistema Nacional de Meio Ambiente e os Conselhos Estaduais devem monitorar de perto e imprimir a maior transparência possível aos Programas de Regularização Ambiental nos Estados como forma de garantir que tais programas não consistam em meras peças burocráticas a confirmar na prática a tese da anistia.
Os PRA’s devem se constituir na salvaguarda da sociedade de que o que deve ser recuperado será recuperado e que a regularização ambiental dos imóveis rurais deve acontecer dentro dos princípios do interesse público, da precaução, da sustentabilidade ecológica e da função social da propriedade rural.
Neste sentido foi encaminhado pelo IPAM e pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde proposta de criação de um Grupo Assessor no CONAMA para monitorar, integrar e dar visibilidade nacional e controle social aos Planos de Regularização Ambiental em curso nos Estados.
O Ministério de Meio Ambiente ainda não deu resposta oficial à demanda já apresentada e negociada na ultima reunião plenária do CONAMA, em novembro de 2012. A próxima Plenária do CONAMA quando o assunto deverá voltar à pauta está agendada para os dias 21 e 22 de março.

* Em 31/01/2013, por André Lima, advogado, Assessor de Políticas Públicas do IPAM, Sócio-fundador do Instituto Democracia e Sustentabilidade, Diretor de Assuntos Legislativos do Instituto O Direito por um Planeta Verde e membro do Conselho Nacional de Meio Ambiente.

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