sexta-feira, 15 de abril de 2011

Inovação na governança da água e aprendizagem social no Brasil

por Pedro Jacobi*
O maior desafio é viabilizar uma política abrangente, envolvendo a sociedade civil em processos de consulta e decisórios na gestão da água.
1150 Inovação na governança da água e aprendizagem social no BrasilA gestão de bacias hidrográficas assume crescente importância no Brasil à medida que aumentam os efeitos da degradação ambiental sobre a disponibilidade de recursos hídricos. Em termos de evolução das políticas públicas no Brasil, observam-se importantes avanços no setor ao longo dos últimos 20 anos.
O país tem uma legislação integrada e descentralizada, principalmente com a edição da Lei Federal no 9.433, em 8 de janeiro de 1997, e a criação da Agência Nacional de Águas (ANA). Esta reorganização do sistema de gestão de recursos hídricos devolve o poder para as instituições descentralizadas das bacias, o que demanda um processo de negociação entre os diversos agentes públicos, usuários e sociedade civil organizada. À ANA cabe participar da elaboração do Plano Nacional de Recursos Hídricos e prestar apoio, na esfera federal, à elaboração dos planos de recursos hídricos. Estes planos, além de investimentos, incluem ações voltadas ao fortalecimento do sistema de gestão de recursos hídricos da bacia, implantação dos sistemas de informações, de redes de monitoramento e instituições de gerenciamento. Cabe também à ANA a outorga, por meio de autorização, do direito de uso de águas de domínio da União, assim como fiscalizar diversos usos, e arrecadar, distribuir e aplicar as receitas auferidas de cobrança.
Atualmente, na gestão hídrica, enquanto arcabouço conceitual, o termo “governança” representa um enfoque conceitual que propõe caminhos teóricos e práticos alternativos, que façam uma real ligação entre as demandas sociais e sua interlocução em nível governamental. A busca por um aperfeiçoamento da gestão ocorre em razão da compreensão de que existe uma diversidade de situações e que isto representa um desafio para efetivar uma governança das águas, seja em sua origem, objetivos e níveis de alcance.
A adoção da bacia hidrográfica como unidade regional de planejamento e gerenciamento das águas resultou na delimitação de Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos, cujos órgãos consultivos e deliberativos de gerenciamento são denominados Comitês de Bacias Hidrográficas. O sistema baseado na tríade descentralização, participação e integração, considera principalmente a qualidade e a quantidade das águas por meio de ações que promovam os usos múltiplos dos recursos hídricos. A efetivação do processo de gestão em bacias hidrográficas ainda é embrionária, e a prioridade dos organismos de bacia se centra na criação dos instrumentos necessários para gerir. A lei ainda fortalece a gestão descentralizada de cada bacia hidrográfica, distribuindo atribuições aos comitês, subcomitês e agências, estabelece como fundamento que a água é dotada de valor econômico e institui a cobrança pelo uso do recurso como um dos principais instrumentos de atuação destes órgãos.
Portanto, a fórmula proposta é uma gestão pública colegiada dos recursos, com negociação sociotécnica por meio de Comitês de Bacias Hidrográficas e se reserva à sociedade civil uma responsabilidade central na condução da política e da gestão dos recursos hídricos. Os usuários da água, fundamentalmente, terão que se organizar e participar ativamente dos grupos de gestão, defender seus interesses quanto aos preços a serem cobrados pelo uso, assim como a aplicação dos recursos arrecadados e a concessão justa das outorgas dos direitos de uso. Obviamente, estes acertos e soluções serão conseguidos a partir de complexos processos de negociações e resolução de conflitos.
A lógica do colegiado permite que os atores envolvidos atuem, em princípio, tendo um referencial sobre seu rol, responsabilidades e atribuições, no intuito de neutralizar práticas predatórias orientadas pelo interesse econômico ou político. A dinâmica do colegiado facilita uma interação mais transparente e permeável no relacionamento entre os diferentes atores envolvidos – governos, empresários e usuários. Isto limita as chances de abuso do poder, entretanto não necessariamente da manipulação de interesses pelo Executivo. Isso dependerá, principalmente da capacidade de organização dos segmentos da sociedade civil. Outros riscos são sensivelmente atenuados, como por exemplo, a captura da instituição por interesses específicos, que contrastam com a sua  finalidade coletiva.
Para garantir uma participação mais abrangente da sociedade na gestão dos recursos hídricos, faz-se necessária uma redefinição do papel de poder em que se situam os peritos em relação aos leigos. No cotidiano das práticas de implementação da legislação, tem-se configurado redes sociais diversas para coletar informações, formar opiniões, legitimar pontos de vista, que contínua e inevitavelmente implicam redefinições das relações de poder.
O grande desafio é que esses espaços sejam efetivamente públicos, tanto no seu formato quanto nos resultados. A dimensão do conflito lhes é inerente, como é a própria democracia. Assim, os espaços de formulação de políticas onde a sociedade civil participa, marcados pelas contradições e tensões, representam um avanço na medida em que publicizam o conflito e oferecem procedimentos – discussão, negociação e voto – e espaço para que seja tratado de forma legítima.
A criação de condições para uma nova proposta de sociabilidade deve ser crescentemente apoiada em processos educativos orientados para a “deliberação pública”. Esta se concretizará principalmente pela presença crescente de uma pluralidade de atores que, por meio da ativação do seu potencial de participação, terão cada vez mais condições de intervir consistentemente e sem tutela nos processos decisórios de interesse público, legitimando e consolidando propostas de gestão baseadas na garantia do acesso à informação, e na consolidação  de canais abertos para a participação que,  por sua vez, são pré-condições básicas para a institucionalização do controle social. Não basta assegurar legalmente à população o direito de participar da gestão ambiental, estabelecendo-se conselhos, audiências públicas, fóruns, procedimentos e práticas. Isto implica em mudanças no sistema de prestação de contas à sociedade pelos gestores públicos e privados, mudanças culturais e de comportamento. Dependemos de uma mudança de paradigma para assegurar uma cidadania efetiva,  uma maior participação e a promoção do desenvolvimento sustentável.
Havendo vontade política e não se permitindo práticas de cooptação, o papel dos diversos instrumentos de participação na gestão poderão mudar os padrões de governança, estabelecendo novas mediações entre Estado e sociedade civil, baseadas no aprimoramento dos princípios de participação na gestão descentralizada e compartilhada dos recursos hídricos e das políticas ambientais.
* Pedro Roberto Jacobi é professor titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo, e coordenador do Grupo de  Pesquisa GovAgua USP e do TEIA USP – Laboratório de Educação e Ambiente.
**Publicado originalmente no site do Instituto Akatu.


http://envolverde.com.br/ambiente/agua/inovacao-na-governanca-da-agua-e-aprendizagem-social-no-brasil/

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Por uma nova economia energética

por Ricardo Abramovay*
1161 300x193 Por uma nova economia energéticaÉ necessário desfazer a ilusão, difundida amplamente por Al Gore, de que os Estados Unidos podem tornar-se independentes dos combustíveis fósseis nos próximos dez anos. Mesmo que o esforço nessa direção seja equivalente ao mobilizado durante a Segunda Guerra Mundial, levará ao menos três décadas para que fontes alternativas substituam o petróleo na matriz energética norte-americana. Os custos adicionais da construção de novas usinas nucleares, após o acidente de Fukushima, só tendem a dilatar esse prazo.
Ao mesmo tempo, ninguém ignora que é exatamente nos próximos 30 anos que o mundo vai enfrentar dois desafios civilizacionais inéditos: o primeiro é o pico do petróleo, ou seja, o momento em que sua exploração entrará em declínio terminal. O segundo, mais grave, refere-se ao fato de que as emissões de gases de efeito estufa devem iniciar trajetória seriamente declinante ainda na atual década, sob pena de se chegar ao final do século com alterações climáticas capazes de provocar catástrofes das quais o furacão Katrina oferece apenas uma pálida ideia.
A ponte que vai permitir a travessia para o fim da era fóssil não depende de um graal energético supostamente contido no hidrogênio, no prometido sequestro de carbono, nos biocombustíveis, nas turbinas eólicas ou na descoberta de telúrio que viabilize o uso em larga escala do solar fotovoltaico. Estas contribuições são relevantes, mas não garantem o essencial: a transição para uma economia de baixo carbono. O mais importante é alterar radicalmente a maneira como se faz a gestão da energia no mundo contemporâneo, particularmente nos Estados Unidos. E a mudança tem de ocorrer enquanto petróleo, carvão e gás ainda forem os combustíveis mais importantes da economia mundial.
Nos últimos 40 anos, Robert Ayres tem trabalhado na formulação de uma teoria econômica em cujo centro esteja o reconhecimento de que a vida social não depende apenas de capital e trabalho, mas também, e cada vez mais, de energia e matéria. Por incrível que pareça, essa dependência não integra o pensamento econômico que, desde o Século 18, se desenvolve separando-se da natureza e só considerando sua existência em momentos de escassez, tratados sempre como episódios passageiros, antecâmaras de nova bonança.
Neste livro, escrito com Edward Ayres (que durante muitos anos foi diretor do Worldwatch Institute), Robert Ayres propõe não uma fórmula mágica e sim um conjunto de políticas que sirvam como ponte para atravessar os próximos anos. Travessia difícil (pois abala convicções e interesses arraigados), mas indispensável e promissora para a sociedade e para o mundo dos negócios.
É bem sabido que o crescimento da economia mundial apoia-se em ganhos crescentes de eficiência energética: cada unidade de PIB é obtida com uso cada vez menor de energia e materiais. A transição dos próximos 30 anos exige, porém, que esses ganhos de eficiência sejam acelerados. É tecnicamente possível, por exemplo, dobrar a quantidade de serviços úteis que se extraem de uma unidade de energia nos Estados Unidos num prazo bastante curto, garantem os autores.
A cogeração de energia, por exemplo, levada adiante por cerca de mil indústrias americanas, poderia ser imediatamente multiplicada por dez. Isso significaria garantir cerca de 10% da capacidade de geração de energia elétrica norte-americana sem gastar um barril de petróleo ou um grama de carvão, e a custos bem menores que os envolvidos na construção de usinas termelétricas. Mais importante ainda é constatar a impressionante ineficiência das grandes centrais de energia elétrica movidas a carvão, que, nos últimos 40 anos, mantêm um padrão tecnológico quase inalterado. No cálculo dos autores, de cada sete unidades de trabalho potencial (ou seja, do serviço realmente prestado pela oferta de energia) com base em usinas elétricas a carvão, apenas uma unidade se transforma em algo útil para a sociedade. É impressionante o contraste entre o avanço representado pelo iPad e a base energética sobre a qual ele repousa.
Outro campo em que a eficiência pode estar mais no uso do que na mudança da fonte de energia é a produção combinada de calor e eletricidade (CHP, na sigla em inglês), que pressupõe o estímulo a formas descentralizadas de energia – que se chocam com os interesses das grandes usinas termelétricas. Enquanto nos Estados Unidos apenas 8% da energia elétrica vem de CHP, a Dinamarca já chegou a 51%, a Finlândia a 37% e a China a 18%.
Mas os padrões de consumo domiciliar também terão que ser alterados de forma significativa: as residências alemãs consomem 210 kWh por metro quadrado, em média. Nas novas construções, esse patamar caiu para 95 kWh e nas construções voltadas à economia de energia e materiais chega-se a 20 kWh. Este tipo de construção já avança na Europa desde os anos 1990, mas nos Estados Unidos a primeira ainda não tinha ficado pronta em 2009.
Essa mudança vai alterar igualmente o conceito de mobilidade. É difícil imaginar algo energeticamente mais ineficiente do que duas toneladas de aço, vidro e borracha para transportar um ser humano por vias congestionadas. E é bom lembrar que os motores a álcool ou elétricos pouco alteram essa ineficiência, que só será enfrentada quando a prestação do serviço de mobilidade em condições adequadas a diferentes necessidades for mais importante do que possuir um automóvel.
A ideia, tão corriqueira, de que, se esses caminhos de transição fossem tecnicamente viáveis e, de fato, positivos, o mercado já os teria levado adiante, é falsa. As crenças e os interesses consolidados em torno dos atuais padrões de produção e de consumo freiam seu avanço. Na verdade, a construção do futuro energeticamente limpo já começou. Ela tem que ser dramaticamente acelerada e, para isso, a condição é que a eficiência no uso de energia e materiais passe a ocupar, de fato, o centro da inovação tecnológica contemporânea. E é claro que isso não se refere apenas aos Estados Unidos.
Crossing the Energy Divide
Robert U. Ayres e Edward H. Ayres. Wharton. 256 págs., R$ 22,32
*Ricardo Abramovay é professor titular do departamento de Economia da FEA, do Instituto de Relações Internacionais da USP, coordenador de seu Núcleo de Economia Socioambiental, pesquisador do CNPq e da Fapesp. www.abramovay.pro.br. Este texto também foi publicado no Valor Econômico.
**Publicado originalmente no site Outras Palavras.








http://envolverde.com.br/ambiente/artigo/por-uma-nova-economia-energetica/

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Código Florestal

APRENDER A CONVERSAR
 Pode ser uma aposta arriscada, mas estou cada vez mais convencida (como também estão alguns ambientalistas e produtores rurais que entrevisto vez ou outra) que nenhum dos lados da disputa em torno do Código Florestal terá força para empurrar a sua visão unilateralmente.

Em outras palavras, se a reforma proposta por Aldo Rebelo passar, eu é que ficarei passada. Seria necessário que o Senado e depois a própria presidente resistissem não somente à enorme pressão interna do movimento ambientalista, mas também às pressões internacionais que patrulham o que o Brasil faz de suas florestas.

Se o governo não achasse que esse caminho é uma encrenca, não estaria costurando uma proposta alternativa entre seus ministérios e com apoio técnico de todos os lados. Foram 10 mil manifestantes a favor da reforma que está na mesa, em Brasília, ontem. A reação, chamada de Marcha em Defesa do Código Florestal, está marcada para amanhã. Quantos serão?

Recentemente reencontrei um velho amigo, facilitador profissional de processos participativos, que estava me explicando por que o voto é o pior método para se chegar a qualquer decisão coletiva. O voto exclui a inteligência da minoria. É comum que as ideias mais criativas e transformadoras sejam justamente as minoritárias. Às vezes a hora daquela ideia não chegou, mas é importante que ela esteja incluída no construto final, e que tenha a oportunidade de ganhar força. “Isso é inteligência coletiva”, disse ele.

Imediatamente pensei no Código Florestal. Pensei que a tarefa de dar uma direção definitiva a esse impasse só pode ser realizada se for fruto da inteligência coletiva. Nenhum grupo de poderosos ou formadores de opinião dará conta do recado sozinho, porque a insatisfação dos demais será insustentável. Enquanto a briga segue polarizada, perde-se a oportunidade de lançar luz às inúmeras vias de convergência que estão aí, escondidinhas, só esperando para entrar em pauta.
PS: Tinha planejado comentar a decisão da OEA de requerer a suspensão das obras de Belo Monte. Mas a Natália Suzuki, do blog Janela de Babel, já disse tudo e mais um pouco. Recomendo a leitura!

Foto: João Ramid
 

SONHOS de Akira Kurosawa

http://www.youtube.com/watch?v=ZwVRKbGeCAI

segunda-feira, 4 de abril de 2011

As dez florestas mais ameaçadas do mundo

No Ano Internacional das Florestas – lançado pela ONU, a Conservação Internacional chama a atenção o para a necessidade de se proteger as florestas

Arlington, VA - EUA, 02 de fevereiro de 2011 —

Para marcar o início do Ano Internacional das Florestas, a Conservação Internacional (CI) lança hoje a lista dos dez hotspots florestais mais ameaçados do mundo. Os chamados ”hotspots de biodiversidade” são áreas de extrema riqueza biológica, com elevado índice de espécies únicas de animais e plantas, e que se encontram altamente degradados e sob risco de extinção.

No caso dos dez hotspots florestais mais críticos, todos já perderam 90% ou mais de sua cobertura original e cada um abriga pelo menos 1.500 espécies de plantas endêmicas, ou seja, que só existem ali. Eles incluem florestas no sudeste asiático, na Nova Zelândia, nas montanhas do sudoeste da China, na região costeira da África Oriental e na ilha de Madagascar. O Brasil aparece na lista com a Mata Atlântica, da qual restam apenas 8% da cobertura original, e que abriga cerca de 20 mil espécies de plantas, 40% das quais endêmicas. (Veja no quadro abaixo a localização e detalhes de cada uma das florestas).

“O Ano Internacional de Florestas deve chamar a atenção do mundo para a necessidade do aumento de proteção das florestas, pela sua vital importância para a conservação da biodiversidade, a estabilização do clima e o desenvolvimento econômico”, afirma Olivier Langrand, diretor de política internacional da CI.

As florestas cobrem apenas 30% da área de nosso planeta e ainda assim abrigam 80% da biodiversidade terrestre do mundo. Elas também garantem o sustento de 1,6 bilhão de pessoas, que dependem diretamente de florestas saudáveis para sobreviver. As interações entre as espécies e os ecossistemas fornecem muitas das necessidades mais básicas para a sobrevivência humana na Terra, tal como ar puro, solos saudáveis, remédios, polinização de safras agrícolas e água doce.

A função das florestas na estabilização do clima também deve ser reconhecida, visto que emissões resultantes da destruição de florestas representam aproximadamente 15% das emissões totais de gases do efeito estufa. Os dez hotspots florestais mais ameaçados do mundo armazenam mais de 25 gigatons de carbono, auxiliando na mitigação dos efeitos da mudança climática.

“As florestas estão sendo destruídas a uma taxa alarmante para dar lugar a pastagens, plantações, mineração e expansão de áreas urbanas. Com isso, estamos destruindo nossa própria capacidade de sobreviver,” aponta Langrand. “As florestas não podem ser vistas apenas como um grupo de árvores, mas como fornecedores de benefícios vitais. Elas são importante fator econômico no desenvolvimento de diversas cidades, fornecendo madeira, alimento, abrigo e recreação, e possuem um potencial ainda maior que precisa ser percebido em termos de provisão de água, prevenção de erosão e remoção de carbono”.

Em adição a sua relevância para a biodiversidade e a estabilização do clima, as florestas são os mais importantes reservatórios de água doce do planeta. Cerca de três quartos da água doce acessível do mundo vêm de vertentes florestais e dois terços de todas as maiores cidades em países em desenvolvimento dependem das florestas em suas cercanias para seu suprimento de água limpa.

 “Visto que a população global está projetada para atingir o total de até 9 bilhões de pessoas nos próximos 30 anos, o acesso à água ficará mais difícil se milhões de hectares de florestas tropicais continuarem a ser queimados todos os anos”, explica Tracy Farrell, diretora do Programa de Conservação de Água Doce da Conservação Internacional. “Excetuando-se as instalações de dessalinização, que são economicamente muito caras, ainda não encontramos outra forma de manter nosso suprimento de água doce a não ser protegendo as florestas remanescentes ao redor do mundo”.

“Durante este Ano Internacional das Florestas, encorajamos fortemente os países a realizar uma nova abordagem na proteção e preservação de suas florestas, que são ativos importantes globalmente,” adiciona Langrand. “Florestas saudáveis são uma parte importante do capital natural e nos oferecem os melhores meios econômicos para enfrentar os diversos desafios ambientais da mudança climática e a crescente demanda por produtos florestais”.

Veja abaixo a classificação e os detalhes sobre os 10 Hotsposts Florestais Mais Ameaçados do Mundo, por percentual de hábitat original remanescente:

1 - Regiões da Indo-Birmânia (Ásia-Pacífico)

Os rios e pântanos desse hotspot são extremamente importantes para a conservação de aves, tartarugas e peixes de água doce, incluindo alguns dos maiores peixes de água doce do mundo. O Lago Tonle Sap e o Rio Mekong são hábitats para a lampreia gigante Mekong (Pangasianodon gigas) e a carpa dourada de Jullien (Probarbus jullieni). Seus ecossistemas aquáticos estão sob intensa pressão em diversas áreas, e muitas áreas alagáveis de suas planícies aluviais de água doce foram destruídas pelo cultivo de arroz. Os rios foram represados para gerar eletricidade, resultando no alagamento de bancos de areia e outros hábitats que normalmente seriam expostos durante a estação seca, com impactos severos sobre ninhos de aves e espécies de tartarugas. A conversão de mangues em reservatórios de aquicultura de camarão, a pesca excessiva e o uso de técnicas de pesca destrutiva são também problemas graves para os ecossistemas costeiros e de água doce. Hoje subsistem apenas 5% do hábitat original.

2 – Nova Caledônia (Oceania)

Um arquipélago montanhoso uma vez dominado pelas florestas temperadas, a Nova Zelândia é uma terra de paisagens variadas e abriga extraordinários índices de espécies endêmicas, incluindo seu representante mais famoso, o kiwi. Nenhum de seus mamíferos, anfíbios ou répteis é encontrado em outro lugar do mundo. Curiosamente, as duas espécies registradas de mamíferos terrestres endêmicos são morcegos. Hoje, espécies invasoras representam uma séria ameaça à flora e à fauna das ilhas da Nova Zelândia. Com a chegada dos europeus no início do século 19, foram levadas ao arquipélago 34 espécies exóticas de mamíferos (incluindo gambás, coelhos, gatos, cabras e furões) e centenas de espécies de ervas daninhas invasoras. Somando-se o impacto da caça e da destruição de hábitats, os últimos duzentos anos testemunharam a extinção de inúmeras espécies de aves, invertebrados, plantas e de um morcego e um peixe endêmicos. Diversas outras espécies sobrevivem apenas em pequenas populações nas ilhas. A destruição de hábitats, de florestas e a drenagem de pântanos são também problemas-chave. Há apenas 5% de remanescentes do hábitat original do arquipélago.

3 - Sunda (Indonésia, Malásia e Brunei – Ásia-Pacífico)

O hotspot de Sunda cobre a metade ocidental do arquipélago Indo-Maláio, um arco de cerca de 17 mil ilhas equatoriais, dominado pelas duas maiores ilhas do mundo: Boréo e Sumatra. Suas espetaculares flora e fauna estão sucumbindo devido ao crescimento explosivo da indústria florestal e do comércio internacional de animais que consome tigres, macacos e espécies de tartarugas para alimentos e remédios em outros países. Populações de orangotangos, encontradas apenas nessas florestas, estão em dramático declínio. Alguns dos maiores refúgios de espécies de rinocerontes do sudeste asiático são também encontrados nas ilhas de Java e Sumatra. Assim como ocorre na maioria das áreas tropicais, suas florestas estão sendo dizimadas para usos comerciais. A produção de borracha, óleo de dendê e celulose são os três principais fatores que levam à degradação e destruição da biodiversidade de Sunda. Em Sumatra, o corte e extração insustentável e ilegal de madeira e outros produtos florestais são generalizados para abastecer a alta demanda da China, América do Norte, Europa e Japão. Hoje, apenas cerca de 7% da extensão original da floresta permanecem mais ou menos intactos.

4 – Filipinas (Ásia-Pacífico)

Mais de 7.100 ilhas estão dentro das fronteiras do hotspot das Filipinas, identificado como um dos países mais ricos em biodiversidade do mundo. Diversas espécies endêmicas estão confinadas a fragmentos de florestas que cobrem apenas 7% da extensão original do hotspot. Isso inclui cerca de 6 mil espécies de plantas e diversas espécies de aves tais como a águia das Filipinas (Pithecophaga jefferyi), a segunda maior águia do mundo. Anfíbios endêmicos são também extraordinariamente grandes e ostentam espécies únicas tais como o sapo voador pantera (Rhacophorus pardalis), que passou por diversas adaptações para planar, incluindo abas extras na pele e membranas entre os dedos para gerar elevação ao planar. As florestas filipinas são também uma das áreas em maior perigo de destruição. Historicamente devastadas pela atividade madeireira, os hoje poucos remanescentes estão sendo dizimados pela agricultura e para acomodar as necessidades da alta taxa de crescimento populacional e severa pobreza rural do país. O sustento de cerca de 80 milhões de pessoas depende principalmente de recursos naturais provenientes das florestas.

5 – Mata Atlântica (América do Sul)

A Mata Atlântica se estende por toda a costa atlântica brasileira, alongando-se para partes do Paraguai, Argentina e Uruguai, incluindo também ilhas oceânicas e o arquipélago de Fernando de Noronha. A Mata Atlântica abriga 20 mil espécies de plantas, sendo 40% delas endêmicas. Ainda assim, menos de 10% da floresta permanece de pé. Mais de duas dúzias de espécies de vertebrados ameaçadas de extinção – listadas na categoria “Criticamente em Perigo” - estão lutando para sobreviver na região, incluindo micos-leões-dourados e seis espécies de aves que habitam uma pequena faixa da floresta no Nordeste. Começando com o ciclo da cana-de-açúcar, seguido das plantações de café, a região vem sendo desmatada há centenas de anos. Agora, a Mata Atlântica está enfrentando pressão por conta da crescente urbanização e industrialização do Rio de Janeiro e São Paulo. Mais de 100 milhões de pessoas, além da indústria têxtil, agricultura, fazendas de gado e atividade madeireira da região dependem do suprimento de água doce desse remanescente florestal.

6 – Montanhas do Centro-Sul da China (Ásia)

As Montanhas do Centro-Sul da China apresentam uma ampla gama de hábitats incluindo a flora temperada com a maior taxa de endemismo no mundo. O ameaçado panda gigante (Ailuropoda melanoleuca), que é quase totalmente restrito a essas pequenas florestas, é a bandeira da conservação da região. Essas montanhas também alimentam a maioria dos sistemas hídricos da Ásia, incluindo diversas ramificações do rio Yangtze. O Rio Mekong corta a província de Yunnan e o Laos, o Camboja e o Vietnã em seu curso até o mar do sul da China. O Nujiang atinge o Oceano Índico pela província de Yunnan e Burma. As atividades ilegais de caça, coleta de lenha e pastagem são algumas das principais ameaças à biodiversidade da região. A construção da maior barragem do mundo, a de Três Gargantas, no rio Yangtze, já ameaçou e continua ameaçando fortemente a biodiversidade da área. A construção de barragens está sendo planejada em todos os rios principais da floresta, o que deve afetar os ecossistemas e a subsistência de milhões de pessoas. Ao todo, apenas cerca de 8% da extensão original do hotspot permanecem em condições inalteradas.

7 – Província Florística da Califórnia (América do Norte)

A Província Florística da Califórnia é uma zona de clima do tipo mediterrâneo, que possui altos índices de plantas endêmicas. É o lar da sequoia gigante, o maior organismo vivo do planeta, e alguns dos últimos condores da Califórnia, a maior ave da América do Norte. É o local de maior reprodução de aves dos Estados Unidos. Diversas espécies de grandes mamíferos antes encontrados nesse local estão extintas, incluindo o urso cinzento (Ursus arctos), que aparece na bandeira da Califórnia e tem sido símbolo do estado há mais de 150 anos. A vasta destruição causada pela agricultura comercial é uma grande ameaça para a região, que gera metade de todos os produtos agrícolas utilizados pelos consumidores dos EUA. O hotspot é também fortemente ameaçado pela expansão de áreas urbanas, poluição e construção de estradas, o que tornou a Califórnia um dos quatro estados mais ambientalmente degradados do país. Hoje, apenas cerca de 10% da vegetação original permanecem mais ou menos intacta.

8 – Florestas Costeiras da África Oriental (África)

Apesar de pequenos e fragmentados, os remanescentes que formam as Florestas Costeiras da África Oriental contêm níveis extraordinários de biodiversidade. As 40 mil variedades cultivadas da violeta africana, que forma a base de um comércio global de folhagens que movimenta US$100 milhões anualmente, são todas derivadas de um punhado de espécies encontradas nas florestas costeiras da Tanzânia e do Quênia. Cerca de 200 mamíferos são encontrados no hotspot, sendo 11 endêmicos, incluindo o musaranho-elefante (Rhynchocyon chrysopygus). Os primatas são espécies-símbolo para esse hotspot, incluindo três espécies de macacos endêmicos, duas das quais podem ser encontradas ao longo do rio Tana, que corta o Quênia Central. A expansão agrícola continua sendo a maior ameaça para as Florestas Costeiras da África Oriental. Devido à pobre qualidade do solo e a uma tendência de crescimento populacional, a agricultura de subsistência, assim como as fazendas comerciais, continua a consumir mais e mais dos recursos naturais da região, com apenas 10% restante das florestas originais.

9 - Madagascar e ilhas do Oceano Índico (África)

Este hotspot é um exemplo vivo da evolução de espécies em isolamento. Apesar da proximidade com a África, as ilhas não compartilham quaisquer dos grupos típicos de animais do continente vizinho. Ao invés disso, elas contêm uma exuberante coleção única de espécies, com altos níveis de endemismo. Madagascar e o grupo de ilhas vizinhas possuem um total impressionante de oito famílias de plantas, quatro famílias de aves e cinco famílias de primatas que não existem em nenhum outro lugar da Terra. As mais de 50 espécies de lêmures de Madagascar são os carismáticos embaixadores para a conservação da ilha, embora diversas espécies já tenham entrado em extinção. Em uma área que é das mais prejudicadas economicamente no mundo, a alta taxa de crescimento populacional está colocando uma enorme pressão sobre o ambiente natural. A agricultura, a caça e a extração não sustentável de madeira, além da mineração em grande e pequena escalas, são ameaças crescentes. Estima-se que restam apenas 10% do hábitat original. A proteção desses remanescentes é de suma importância já que metade da população não tem acesso adequado à água doce.

10 – Florestas de Afromontane (África Oriental)

As montanhas do hotspot de Afromontane Oriental são dispersas ao longo da extremidade oriental da África, desde a Arábia Saudita ao norte até o Zimbábue ao sul. Embora geograficamente dispersas, as montanhas que compreendem esse hotspot possuem flora extraordinariamente similar. O gênero de árvore mais frequente é o Podocarpus, embora o Juniperus seja encontrado em florestas mais secas da África nordeste e oriental. Uma zona de bambu é normalmente encontrada entre as altitudes de 2 e 3 mil metros, acima da qual existe uma zona de floresta Hagenia, até uma altitude de 3.600 metros. O Vale do Rift abriga mais mamíferos, aves e anfíbios endêmicos do que qualquer outra região da África. O evento geográfico que criou as montanhas desse hotspot também gerou alguns dos mais extraordinários lagos do mundo. Devido aos grandes lagos, um grande montante de diversidade de peixes de água doce pode ser encontrado na região, que é o hábitat de 617 espécies endêmicas. Assim como na maioria das áreas tropicais, a principal ameaça a essas florestas é a expansão da agricultura, especialmente com grandes plantações de banana, feijão e chá. Outra ameaça relativamente nova, que coincide com o aumento da população, é o crescente mercado de carne. Hoje, apenas 11% de seu hábitat original permanecem intacto.

Imagens (foto e vídeo) estão disponíveis na Conservação Internacional mediante solicitação.
Para saber mais sobre os hotspots acesse http://www.conservacao.org/noticias/noticia.php?id=71

Para mais informações:

Gabriela Michelotti, gerente de comunicação da Conservação Internacional (CI-Brasil)
g.michelotti@conservation.org escritório: +61 3226 2491; celular: +31 8407 7125

Kim McCabe, Diretora, assessoria de imprensa internacional, Conservação Internacional (CI EUA)
kmccabe@conservation.org ; escritório: +1 703-341-2546;  celular: +1 202-203-9927

Patricia Yakabe Malentaqui, Gerente, assessoria de imprensa internacional, Conservação Internacional (CI EUA)
pmalentaqui@conservation.org ; escritório: +1 703-341-2471; celular: + 1 571 225 8345

Kelsey Rosenbaum, Coordenadora, assessoria de imprensa internacional, Conservação Internacional (CI EUA)krosenbaum@conservation.org;  escritório: 703-341-2853

sábado, 2 de abril de 2011

Energia - a chance de discutir sem soberba

Washington Novaes - O Estado de S.Paulo
 
É impressionante a atitude de soberba olímpica - para não falar em descaso ou desprezo - com que o Ministério de Minas e Energia (MME) encara as dúvidas da comunidade científica e da nossa sociedade a respeito da política energética nacional. Uma postura que se torna mais evidente e incompreensível no momento em que o mundo se interroga a respeito dos desdobramentos da série de acidentes nucleares no Japão, após o terremoto e o tsunami. O ministro Edison Lobão, por exemplo, questionado (Agência Estado, 15/3) sobre a possibilidade de estar em questão a segurança das usinas nucleares brasileiras - já que se debate a segurança nuclear no mundo todo -, "descartou a possibilidade de qualquer mudança". E o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear disse apenas temer "danos ao programa nuclear brasileiro", que prevê, além de Angra 3, em construção, mais quatro usinas nucleares até 2030.
Dá a impressão de que estamos fora - ou acima - do mundo, no momento em que a Alemanha suspende a decisão que tomara de prorrogar por 12 anos a vida de usinas que seriam fechadas até 2021 e decide desativar várias usinas antigas; a Suíça suspende o licenciamento de novas usinas; a Áustria pede à União Europeia que teste a segurança de todos os reatores em atividade em 14 dos seus 27 países; o Partido Verde da França (país que mais depende de energia nuclear) exige um referendo sobre o modelo; Bélgica e Polônia anunciam que reavaliarão seus caminhos nessa matéria; o governo da Grã-Bretanha pede reavaliação imediata de 11 usinas projetadas; nos EUA, senadores que defendiam a proposta do presidente Barack Obama de destinar US$ 36 bilhões para 20 usinas nucleares novas agora recomendam prudência (The New York Times, 13/5), já que 31 das atuais 104 usinas nucleares norte-americanas têm tecnologia japonesa, com 23 reatores iguais aos da usina de Fukushima.
Não é só. A secretária da Convenção do Clima, Christiana Figueres, não duvida de que "vai mudar o cenário mundial", tal como dizem especialistas em energia em vários países, inclusive no Brasil. "O acidente vai fazer todo o mundo repensar o uso de usinas nucleares", afirma o professor Aquilino Senra Martinez, da UFRJ, lembrando que o projeto de Fukushima é da década de 60 (Folha de S.Paulo, 13/5). "O desastre serve de alerta para o Brasil", acentua o ex-ministro José Goldemberg, lembrando que o risco na área nuclear é grande e "há melhores opções", que "o Brasil deveria discutir" (O Popular, 13/5). Tudo na mesma linha de editorial deste jornal (15/3, A3), lembrando que o desastre de Fukushima levanta dúvidas sobre a segurança e "deve estimular o debate internacional".
De fato, a tragédia no Japão ressaltou mais uma vez as grandes questões que há décadas permeiam a área nuclear:
Passado e presente evidenciam a alta dose de insegurança de operação de usinas nucleares e os riscos de desastres, quase invariavelmente de consequências dramáticas;
a energia nuclear é muito mais cara que outras formas de energia;
nenhum país conseguiu até hoje equacionar o problema da destinação dos altamente perigosos resíduos de reatores nucleares, que em geral se acumulam nas próprias usinas (como em Angra 1 e 2; em Angra 3, o então ministro Carlos Minc, que sempre criticara as duas primeiras usinas, condicionou o licenciamento da terceira a uma solução "definitiva" para os resíduos - o que não foi feito, mas não impediu o início das obras).
A própria Tepco, empresa que opera a usina acidentada no Japão, já fora multada anteriormente por falhas na segurança de suas usinas. Outras 11 usinas já apresentaram problemas (Estado, 15/3). Ainda assim, o país - que já teve acidentes graves antes - mantém 55 reatores nucleares, que fornecem pouco mais de 30% da energia consumida. Mas é também considerado desde 1990 exemplar em matéria de técnicas de construção resistente a terremotos. Em Fukushima, a usina resistiu ao tremor, mas não ao tsunami; a sequência interrompeu o funcionamento dos geradores de emergência e o resfriamento dos reatores. E é uma usina projetada para resistir a vibrações nas estruturas dez vezes mais intensas que as suportadas por Angra 1 e 2 (Veja, 16/3).
No nosso caso, é preciso lembrar ainda que Angra 1, 2 e 3 estão numa região sujeita a eventos climáticos extremos, que já provocaram no município deslizamentos e desastres. Não bastasse, num programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, o professor Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e hoje uma das principais figuras da área de ciência no governo federal, disse que o projeto de Angra 3 "deveria ser revisto", diante das informações de vários cientistas de que o nível do mar já está se elevando no litoral fluminense, acompanhando o que acontece em praticamente todo o mundo.
São muitas, portanto, as razões que deveriam levar a direção da nossa política de energia a discutir os rumos dessa área. Ouvir a comunidade científica, que, como já foi mencionado neste espaço mais de uma vez, tem dito que o Brasil pode tranquilamente viver com metade da energia que consome hoje - economizando 30% com projetos de conservação e eficiência (como conseguiu economizar no apagão de 2001); ganhando mais 10% com a redução das perdas nas linhas de transmissão, hoje em 17%; e outros 10% com repotenciação de geradores antigos, a custos menores que os de implantação de novas usinas. É o que diz há muito tempo, por exemplo, estudo da Unicamp e do WWF, de 2006. Mas fala ao vento.
Não faz sentido apregoar - como já pregam alguns - que sem a energia nuclear não haverá caminho senão o das mega-hidrelétricas na Amazônia, muito questionadas. Ou a ampliação das termoelétricas - que, na verdade, já está ocorrendo. O que faz sentido é, numa hora dramática como esta, convocar a comunidade científica e, diante da sociedade, debater livremente nosso modelo energético.
JORNALISTA
E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Catavento Cultural, um espaço lindo que ensina a ver o Planeta Terra como um ser vivo

O Catavento é um lugar onde você aprende enquanto se diverte!
Aqui você pode tocar um meteorito de verdade, encontrar Gandhi
em uma escalada, conhecer o corpo humano por dentro, entender
como funciona um gerador de energia ou ainda descobrir que o
Sol, visto de perto, não é tão redondo como parece quando
estamos na praia.
Desde o átomo até o maior planeta do Sistema Solar, dos seres
microscópicos aos grandes animais da Terra, as leis da física
e as transformações químicas, o ecossistema e as questões
de preservação ambiental, serão tantas  sensações  e experiências
instigantes que você vai ficar com a impressão de que nada
ficou de fora.
Você vai  se surpreender em cada uma das 4 seções:  
Universo, Vida, Engenho e Sociedade.
E  entenderá como  é possível  aprender ciência e se
divertir ao mesmo tempo.
http://www.cataventocultural.org.br/home.asp

Funcionamento: terça a domingo
Horário: 09h00 às 17h00 (bilheteria fecha às 16h00)
Entrada: R$ 6,00 e R$ 3,00 (meia entrada para estudantes e idosos)
Estacionamento: R$ 5,00 - capacidade para 200 carros
Infraestrutura: acesso para pessoas com deficiência locomotora








 

zé agricultor, uma triste realidade

    A carta a seguir - tão somente adaptada por Barbosa Melo - foi escrita por Luciano Pizzatto que é engenheiro florestal,     especialista em direito sócio ambiental e empresário, diretor de Parque Nacionais e Reservas do IBDF-IBAMA 88-89,
    detentor do primeiro Prêmio Nacional de Ecologia.


    Prezado Luís, quanto tempo.

    Eu sou o Zé, teu colega de ginásio noturno, que chegava atrasado, porque o transporte escolar do sítio sempre atrasava, lembra né? O Zé do sapato sujo? Tinha professor e colega que nunca entenderam que eu tinha de andar a pé mais de meia légua para pegar o caminhão por isso o sapato sujava.

    Se não lembrou ainda eu te ajudo. Lembra do Zé Cochilo... hehehe, era eu. Quando eu descia do caminhão de volta pra casa, já era onze e meia da noite, e com a caminhada até em casa, quando eu ia dormi já era mais de meia-noite. De madrugada o pai precisava de ajuda pra tirar leite das vacas. Por isso eu só vivia com sono. Do Zé Cochilo você lembra, né, Luis?

    Pois é. Estou pensando em mudar para viver aí na cidade que nem vocês. Não que seja ruim o sítio, aqui é bom. Muito mato, passarinho, ar puro... Só que acho que estou estragando muito a tua vida e a de teus amigos aí da cidade. Tô vendo todo mundo falar que nós da agricultura familiar estamos destruindo o meio ambiente.

Veja só. O sítio de pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu e tive que parar de estudar) fica só a uma hora de distância da cidade. Todos os matutos daqui já têm luz em casa, mas eu continuo sem ter porque não se pode fincar os postes por dentro uma tal de APPA que criaram aqui na vizinhança.

    Minha água é de um poço que meu avô cavou há muitos anos, uma maravilha, mas um homem do governo veio aqui e falou que tenho que fazer uma outorga da água e pagar uma taxa de uso, porque a água vai se acabar. Se ele falou deve ser verdade, né, Luís?

    Pra ajudar com as vacas de leite (o pai se foi, né .) contratei Juca, filho de um vizinho muito pobre aqui do lado. Carteira assinada, salário mínimo, tudo direitinho como o contador mandou. Ele morava aqui com nós num quarto dos fundos de casa. Comia com a gente, que nem da família. Mas vieram umas pessoas aqui, do sindicato e da Delegacia do Trabalho, elas falaram que se o Juca fosse tirar leite das vacas às 5 horas tinha que receber hora extra noturna, e que não podia trabalhar nem sábado nem domingo, mas as vacas daqui não sabem os dias da semana ai não param de fazer leite. Ô, bichos aí da cidade sabem se guiar pelo calendário?

    Essas pessoas ainda foram ver o quarto de Juca, e disseram que o beliche tava 2 cm menor do que devia. Nossa! Eu não sei como encumpridar uma cama, só comprando outra, né, Luís? O candeeiro eles disseram que não podia acender no quarto, que tem que ser luz elétrica, que eu tenho que ter um gerador pra ter luz boa no quarto do Juca.

Disseram ainda que a comida que a gente fazia e comia juntos tinha que fazer parte do salário dele. Bom Luís, tive que pedir ao Juca pra voltar pra casa, desempregado, mas muito bem protegido pelos sindicatos, pelo fiscais e pelas leis. Mas eu acho que não deu muito certo. Semana passada me disseram que ele foi preso na cidade porque botou um chocolate no bolso no supermercado. Levaram ele pra delegacia, bateram nele e não apareceu nem sindicato nem fiscal do trabalho para acudi-lo.

Depois que o Juca saiu eu e Marina (lembra dela, né? casei) tiramos o leite às 5 e meia, ai eu levo o leite de carroça até a beira da estrada onde o carro da cooperativa pega todo dia, isso se não chover. Se chover, perco o leite e dou aos porcos, ou melhor, eu dava, hoje eu jogo fora.

Os porcos eu não tenho mais, pois veio outro homem e disse que a distância do chiqueiro para o riacho não podia ser só 20 metros. Disse que eu tinha que derrubar tudo e só fazer chiqueiro depois dos 30 metros de distância do rio, e ainda tinha que fazer umas coisas pra proteger o rio, um tal de digestor. Achei que ele tava certo e disse que ia fazer, mas só que eu sozinho ia demorar uns trinta dia pra fazer, mesmo assim ele ainda me multou, e pra poder pagar eu tive que vender os porcos as madeiras e as telhas do chiqueiro, fiquei só com as vacas. O promotor disse que desta vez, por esse crime, ele não ia mandar me prender, mas me obrigou a dar 6 cestas básicas pro orfanato da cidade. Ô Luis, ai quando vocês sujam o rio também pagam multa grande, né?

Agora pela água do meu poço eu até posso pagar, mas tô preocupado com a água do rio. Aqui agora o rio todo deve ser como o rio da capital, todo protegido, com mata ciliar dos dois lados. As vacas agora não podem chegar no rio pra não sujar, nem fazer erosão. Tudo vai ficar limpinho como os rios aí da cidade. A pocilga já acabou, as vacas não podem chegar perto. Só que alguma coisa tá errada, quando vou na capital nem vejo mata ciliar, nem rio limpo. Só vejo água fedida e lixo boiando pra todo lado.

Mas não é o povo da cidade que suja o rio, né, Luís? Quem será? Aqui no mato agora quem sujar tem multa grande, e dá até prisão. Cortar árvore então, Nossa Senhora!. Tinha uma árvore grande ao lado de casa que murchou e tava morrendo, então resolvi derrubá-la para aproveitar a madeira antes dela cair por cima da casa.

Fui no escritório daqui pedir autorização, como não tinha ninguém, fui no Ibama da capital, preenchi uns papéis e voltei para esperar o fiscal vim fazer um laudo, para ver se depois podia autorizar. Passaram 8 meses e ninguém apareceu pra fazer o tal laudo ai eu vi que o pau ia cair em cima da casa e derrubei. Pronto! No outro dia chegou o fiscal e me multou. Já recebi uma intimação do
Promotor porque virei criminoso reincidente. Primeiro foi os porcos, e agora foi o pau. Acho que desta vez vou ficar preso.

Tô preocupado Luis, pois no rádio deu que a nova lei vai dá multa de 500 a 20 mil reais por hectare e por dia. Calculei que se eu for multado eu perco o sítio numa semana. Então é melhor vender, e ir morar onde todo mundo cuida da ecologia. Vou para a cidade, ai tem luz, carro, comida, rio limpo. Olha, não quero fazer nada errado, só falei dessas coisas porque tenho certeza que a lei é pra todos.

Eu vou morar aí com vocês, Luís. Mais fique tranquilo, vou usar o dinheiro da venda do sítio primeiro pra comprar essa tal de geladeira. Aqui no sítio eu tenho que pegar tudo na roça. Primeiro a gente planta, cultiva, limpa e só depois colhe pra levar pra casa. Ai é bom que vocês e só abrir a geladeira que tem tudo. Nem dá trabalho, nem planta, nem cuida de galinha, nem porco, nem vaca é só abri a geladeira que a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisá de nós, os criminosos aqui da roça.

Até mais Luis.

Ah, desculpe Luis, não pude mandar a carta com papel reciclado pois não existe por aqui, mas me aguarde até eu vender o sítio.



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