quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Educação para a sustentabilidade

por Vânia Velloso*
1279 Educação para a sustentabilidade
Ilustração de Cezánne.

Estou há tempos para escrever novamente para Plurale. Desde que voltei de viagem, pego e largo o texto por motivos variados. Não dá para elencar todos, mas creio que o principal tem a ver com um conteúdo que faça sentido para mim, para a editora e para vocês. Sei quantas informações sem sentido recebemos em casa, e também, algumas com sentido que nem esticamos mais a vinda do sono para ler à noite – quietos na cama ou na poltrona predileta. O tempo. Tempo para aprender, para ler com calma para aprimorar relações, para mudar de trabalho, para trocar de lugar. Atualmente leio três coisas em cada tempo. Uma ficção boba juvenil para retomar o inglês, um Sandor Marai – húngaro que escreve um dos bons livros que me foram dados.
Recomendo o título De Verdade, bem interessante e denso para refletirmos sobre quem somos e para onde vamos com nossas certezas. E leio também com afinco os textos sobre sustentabilidade e os fuxicos de internet – enviados por amigas queridas ou conhecidos que sabem que hoje eu sou senhora de mim, liberta e menos prisioneira do tempo. E posso pensar em decodificar com calma o que me proponho a escrever e realizar ainda!
O frio do Rio é ótimo companheiro para as manhãs e tardes de chá e leitura, arrumações em casa, coisas e coisas sem fim para dar novo destino: um uso melhor para quem necessita ou a dolorosa – mas deliciosa – sensação de um local limpo e harmônico na relação coisa-espaço.
Consigo, com algum custo, dar coisas quase novas, pois sei que não vou precisar, e chega este complexo tempo de desapegar. Desapegar-me de filhos que seguem seus caminhos e sabem que fazem parte de um ambiente de conforto e consideração incondicional em uma das várias casas onde eles foram criados, despegar-me de coisa perdida, desapegar-me do delirante vício do poder, desapegar-me de verdades estabelecidas… Desapegar-me (“de verdade”, como Marai), ou seja, “desconectar-me” de gente e situações que não acrescentem. Pode parecer terrível, mas sinto enorme cansaço com o pacto da mediocridade que sou obrigada a conviver por vez ou outra.
E quando me sinto assim, morna e medíocre nas minhas posturas, rapidamente ou nem tanto, uma onda de renovação ou de reposicionamento surge, no fundo de minhas antigas e novas possibilidades de fazer acontecer.
Tão difícil desapegar-me de coisas e tão fácil desapegar-me de pessoas ou desapegar-me do cuidado com a vida. Consegui com muito custo reverter este desenho. Coisificamos tudo, damos suma importância à aparência e como os outros nos julgam, e colocamos os contatos no plano de coisa a menos. E o tal algo mais de Cézanne – realizado em vida do pintor –, onde as coisas do/no mundo eram vistas como sentido e cor da natureza e do homem em sua busca de humanidade e universalidade, somadas com a cortesia. E mesmo o homem da natureza como o denominava é apenas um elemento vital na ocupação, da vida evidente ou aparente.
Onde as coisas objetivas para o mundo, observadas e avaliadas sob a perspectiva humana, tornavam-se sujeitos de si mesmas e a conversa – entre ele e a coisa e entre ele e natureza das coisas e do ambiente – passava a ter um sentido de pertencimento no mesmo mundo por criado e o mundo antes de nossa presença. Aprecio esta maneira de ver as coisas que nos são gratas e cuidadas como “personna de si mesmas”, dar um pouco de anima (alma) para estas coisas. Quem sabe se fizéssemos isto com o ambiente natural e criado não coisificaríamos, e estes dois ambientes integrados atuariam como sujeitos no mundo.
Isso incluiria quem realmente colocar no ambiente amizade, qual troca sobre este mesmo mundo você faria a cada dia, como valorizar as luzes e cores da manhã no bule de café, as frutas ao acordar e as dobras de uma toalha branca. Viver este despertar para a luz e para a cor – diferentes a cada momento. Isso era algo que perseguia Cézanne, e penso muito sobre tudo isto e me sinto instigada para ver onde estas questões podem me tornar uma personna melhor para o ambiente.
Como se a cada dia as coisas que eu tivesse à volta despertassem com o homem racional e sensível ao mesmo momento. O homem com forma, cor e cheiro totalmente inserido e parte de seu ambiente. Este texto todo para dizer que gosto em Cézanne e outros artistas ligados ao pertencimento ao ambiente. Este pertencer tão complexo quando falamos do sujeito e do ambiente que ele precisa aprender a conviver. A memória das coisas e dos momentos constrói as relações aonde vou tecendo o pano de retalhos da mesa matinal e da vida: a cortesia e a permanência do contato. No processo de coisificação que estamos passando, cada sujeito dá o valor e a intensidade de contato, conforme a utilidade e, assim, caminha nesta “coisa-humanidade e na humanidade-coisa”.
Acumulamos muito, e nem sempre antes de comprar algo novo, limpamos as gavetas. Creio que é assim com o pensamento e reflexões em casa sozinha sobre o que realmente é possível realizar neste espaço de acúmulos e de baixas avaliações sobre como refletimos para mudança de atitudes.
Espero que você possa – de quando em vez ou com qualidade – parar e ler com cuidado e delicadeza o que lhe interesse. E caso este texto traga um pequeno algo mais: o olhar dos opostos e da intensidade na profusão de diversidade que o cerca. Que você possa enviar o seu algo mais para o outro. Como a curva de Moebius(1), onde tanto se deve olhar e viver na parte interna como na parte externa da fita – ver uma mesma questão por todos os seus lados de possibilidades e assim descobrirmos, que a cada leitura, a cada troca de impressões, a cada retorno (estamos sempre no eterno retorno e nunca será idêntico) a realização do outro. Podemos ser o algo mais aprimorado e não coisificado.
Podemos duvidar possuir ou manifestar opiniões divergentes em relação a qualquer um, mas sabemos que existe um direito inalienável de ver a coisa ou o sujeito por meio de outra referência – outro ponto do observador. Desta forma, eu, aqui, também esclareço que não tenho nada contra qualquer pessoa que decida ou deixe a vida externa decidir por ela. Que encontra significado ter um processo de crescimento no mundo sem tantas considerações. Este estado, para mim, não funciona, pois sou absolutamente comprometida e responsável com as minhas escolhas de fazer ou de inércia.
Atualmente, tenho visto muitas pessoas que privilegiam a vida pela superfície das questões… É obvio que não se pode passar o dia em profundas elucubrações sobre tudo. Seria exaustivo. Eu ainda fecho com alguns queridos sábios, que se você for tomar um simples banho, que seja real na sua escolha e simples na forma, para que durante o pequeno tempo que você deveria ficar lá na economia de água e sabão, você possa refletir sobre si sobre o famoso Dasein (ser aí neste mundo e fruto de todos os mundos passados vivenciados).
Você pensa sobre o valor do sujeito e o valor da coisa que artificialmente valoriza ou você qualifica o sujeito. Na fase inicial da vida em que estamos ligados ao lugar confortável do materno é aí que as “formas de afetos” começam a ser processadas em nosso local do sensível no cérebro, e estas conexões perduram por toda vida quando iniciadas e estimuladas.
Pode ser por falta deste laço e por não termos mais as relações de afeto atualizadas a todo dia que perdemos a capacidade de ponderar entre o afeto e o racional, entre o desejo e o interesse, entre necessidade compartilhada e egoísta. É nesta escada do desenvolvimento que teremos habilidade para lidar com o que discordamos no mundo externo ao mundo materno e chegaremos por meio do processo educacional, da disciplina e do limite ao mundo da cortesia. A cortesia está para mim no último degrau; trocamos a emoção com nossas mães de forma egoísta para sobrevivência, elas e os pais ensinam ou deveriam ensinar formas de sermos gentis em família, de conceder e com a escola formal e as relações de amizade e trabalho do mundo em volta, desenvolvemos a cortesia. E você neste momento para de ler e reflete: o que isto tem a ver com a sustentabilidade do título?
Pode ser que se não conseguimos fazer a conexão é exatamente neste ponto que perdemos ou não apreendemos a cortesia. Pois a cortesia é ensinada sutilmente no dia a dia em casa e depois na escola. Pode ser também que nesta fase estejamos construindo um ser que não terá habilidade para relativizar, para mudar quando escuta com atenção e dedicação algo que o outro lhe traz. Isto pode ser boa oportunidade para si, para os dois e para a sociedade do entorno. Nesta fase, muito pequenos e inconscientes da realidade e do ambiente que nos vai moldar, traçamos o famoso caminho individual dentro do processo civilizatório das conexões humanas. Ah! E isto sim tem tudo a ver com sustentabilidade das relações, do ambiente natural ou criado por mim e pelo outro.
Acredito que o processo de envolvimento dos indivíduos com o ambiente – crianças, adolescentes e adultos – tem a mesma correspondência com o grau de desenvolvimento da cortesia que você dedica a si mesmo (cuidado com sua mente e com seu corpo) e a cortesia que trocamos entre pessoas tão diferentes e por vezes aquelas que não concordamos com o modo de ver e se perceber no mundo.
Por fim, percebo que como não desenvolvemos bem a cortesia em um local que:
• O coletivo vale pouco;
• A sociedade brasileira é ainda deficitária em alguns processos de trocas;
• A integridade e o caráter têm várias possibilidades;
• A pessoa é assertiva na apropriação de um bem público como uma coisa privada;
• A coisificação do sujeito para a vida se deu em função da ausência dos afetos e cuidados familiares;
• A escola, o aprendizado e o conhecimento não fazem parte da construção do sujeito moral do Dasein – o ser aí no mundo dedicado a construir e manter o seu local melhor para si e para quem vier.
O que isto tem a ver com sustentabilidade? Tem bastante por mais que você no momento não consiga ou não possa fazer as conexões assim como Cézanne – ele passava boa parte do seu tempo realmente pensando em como mudar de atitude em tela e partia para uma viagem de riscos nesta mudança de atitude. Qualquer mudança vai exigir algum tempo de engajamento prévio, para que se possa mudar efetivamente e encarar a sustentabilidade fragmentada ou em nosso cotidiano.
Normalmente somos confortados ou atuamos no que chamo de uma sustentabilidade fashion: a do espetáculo, colocada em local confortável da fala e do não comprometimento pela ação: rechaçada a conversas informais e descontraídas do chopp de sexta-feira, após o trabalho exaustivo e, por vezes, repetitivo. A tal da sustentabilidade possível em vida – vai acontecer no seu ou no meu cotidiano, se primeiro verificarmos nossa conexão com a cortesia para o outro e para outros espaços que não somente o conhecido e/ou aqueles que temos interesse em sempre ganhar algo. Se verificarmos também se esta nossa cortesia nos pode levar a uma postura de aceitação da diferença – a diversidade de jeitos e culturas. Algo que não é necessariamente no primeiro momento aquele chamado do algo mais de Cézanne – que faz de você um ser melhor quando pensa em quanto arriscou para uma mudança.
Porém, já um algo que mexe com você para a cortesia sempre presente em suas ações e nas relações com as pessoas. (O que deveria ser normal e não evidenciada no espaço que você troca, habita, trabalha e impacta). Porque não impactar pela cortesia e pela possível e concreta atitude na e para sustentabilidade que você possa incorporar de forma permanente?
No próximo texto vou abordar mais a sustentabilidade dos contatos duradouros e/ou de fidelidade – que estão intimamente conectados com a agenda pessoal da sustentabilidade possível. Tempo e confiança são as palavras-chave!
Nota
(1) Curva de Moebius – esta curva nasceu da matemática e foi levada para o mundo da psyqué, onde a vida, na verdade, tem um lado o de fora mescla com o de dentro. E não existe o lado do bem para uns e lado do mal. Possuímos e agimos sempre esta polaridade que nos faz ver a vida de maneira diversa: o olhar por dentro de si e olhar por fora de si – para analisar com mais isenção, e que de certa forma estamos fadados a circular neste eterno retorno, mas nunca de mesma forma, pois a cada volta (do dia, das passagens, dos ritos, etc.) existe a influência do outro e do meio.
* Vania Velloso é arquiteta, com especialização em Filosofia e Gestão Ambiental, artista e cozinheira.
** Publicado originalmente no site da revista Plurale.

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